Devemos ensinar “somente as relações letra-som” na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental? | Timothy Shanahan

Devemos ensinar “somente as relações letra-som” na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental? | Timothy Shanahan

Pergunta de um professor:

“Na minha escola, a prefeitura exagerou na importância dada à ‘corda de leitura de Scarborough’. No entanto, quando se trata de quem está ‘na ponta’ da educação, nós (os professores do ensino fundamental) fomos informados de que a decodificação é a coisa mais importante e que devemos enfatizar isso. Eles nos enviaram para um treinamento LETRS, uma formação de professores em leitura e escrita, compraram programas educacionais sobre relações letra-som e exigem que nós avaliemos a “fluência de palavras sem sentido” dos alunos com frequência. Em que níveis de ensino é apropriado ensinar as partes de “compreensão da linguagem” da corda de Scarborough?”

Shanahan responde:

Em 1915, em um local próximo de onde estou escrevendo este texto, o navio de passageiros SS Eastland afundou, afogando 844 pessoas – muitas delas crianças. Foi o maior desastre da história de Chicago e a maior perda de vidas de qualquer naufrágio nos Grandes Lagos… Mas volto a essa história em outro momento.

Concordo com a sua prefeitura. Os jovens leitores – se eles realmente forem se tornar jovens leitores – precisam aprender a decodificar e as relações letra-som e o ensino de fonemas são essenciais durante a educação infantil e anos iniciais para garantir que os alunos desenvolvam habilidades de decodificação proficientes.

Mas me parece que, nos esforços bem-intencionados da sua secretaria de educação para garantir que isso aconteça, eles estão ignorando a corda de Scarborough, a visão simples de Gough & Tunmer, o modelo de visão ativa de Duke & Cartwright, o relatório do National Reading Panel, 100 milhões de dólares investidos em pesquisa pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano, e uma série de outros estudos mais recentes.

Modelo de cordas de Hollis Scarborough (2001). Caderno da Política Nacional de Alfabetização, página 29.

Modelo de cordas de Hollis Scarborough (2001). Caderno da Política Nacional de Alfabetização, página 29.

Eles deixaram o love de fora do I love you. Ou, mais precisamente, eles deixaram a ciência de fora da “ciência da leitura”.

A maioria das pessoas atribuiria esse exagero às reading wars (guerras da leitura, em inglês). Isso pode ser o que está acontecendo; talvez haja um “defensor ferrenho” na prefeitura que pense que apenas a decodificação importa – e está disposto a fazer isso acontecer, não importa os custos.

No entanto, tenho ouvido falar sobre essa história de “decodificar primeiro” ou “somente decodificar” com frequência ultimamente – de pais, funcionários das secretarias estaduais de educação e professores. O ensino de leitura ao longo da minha carreira tendeu a seguir um pêndulo. À medida que o interesse oscila para um lado ou para o outro, a prática de sala de aula fica fora de forma.

Lembro-me dos anos 1970 e 1980. O governo federal dos Estados Unidos investiu fortemente em pesquisas sobre compreensão de leitura. Isso produziu muitos estudos fantásticos e, por um tempo, dominou os periódicos de leitura – tanto os periódicos de pesquisa quanto aqueles voltados para profissionais.

Em 1980, era quase impossível encontrar um artigo contemporâneo de alta qualidade sobre ensino de fonemas. Os pesquisadores de compreensão não eram “anti-fônicos”, eles apenas dominavam tudo, sem dar espaço a outros. Uma professora iniciante naquela época teria pensado que a única coisa que ela deveria ensinar eram estratégias de compreensão.

Sem surpreender, as editoras seguiram esse exemplo. Não que elas não publicassem informações sobre como ler palavras ou como ensinar os alunos a ler. Elas estavam apenas seguindo o mercado, publicando o material novo e atraente que todo mundo estava interessado naquele momento – em vez de tentar garantir que todos os aspectos importantes do ensino da leitura fossem realmente abordados.

Isso é o que está acontecendo agora, nos EUA. A imprensa e a mídia estão enfatizando a decodificação por causa de sérias lacunas nas práticas de muitas escolas, então os pais estão fazendo perguntas sobre isso e os diretores escolares e gestores públicos estão se certificando de que eles tenham uma boa história para contar. Como ninguém parece particularmente preocupado com prosódia, vocabulário ou se as crianças estão lendo textos sobre ciência o suficiente, todos acabam focando na lacuna de decodificação.

Certamente temos trabalho a fazer para garantir que os fonemas sejam ensinados, que os professores tenham materiais de apoio de alta qualidade voltados para isso. Também é necessário investir no desenvolvimento profissional dos professores e seus conhecimentos em decodificação.

Mas essa é a parte fácil.

O truque para fazer isso com sucesso, no entanto, é não derrubar o barco.

Voltando ao SS Eastland. O navio naquele dia estava carregado de famílias saindo para uma excursão no lago, um entretenimento de domingo. Infelizmente, uma vez embarcado, o navio estava fortemente inclinado para estibordo (desconfortavelmente para a direita). Os passageiros responderam como era de se esperar… eles se moveram rapidamente para o outro lado do barco – que tombou.

Parece que seu distrito está tentando resolver um problema real. Mas sob pressão e ansiedade, eles estão deslocando todo o lastro para um lado do barco. Ignorar ou atrasar o ensino de compreensão da linguagem não é a maneira mais inteligente de corrigir o problema. Na verdade, pode eventualmente afundar o barco.

Existe realmente alguma razão para acreditar que ensinar os sons das letras primeiro ou que apenas ensinar os fonemas, por um ano ou dois, seja uma boa ideia? Se você vende materiais sobre fonemas, provavelmente sim. Mas se você tem interesse na ciência da leitura (ou seja, quer basear suas ações em dados de pesquisas em vez de conversas de vendas e “exageros” da mídia), fica claro que esse desespero não é produtivo.

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Se você não acha que estou certo sobre isso, olhe para esta evidência:

  1. Jeanne Chall, a professora de Harvard mais conhecida por sua análise da pesquisa sobre o ensino de fonemas (Reading: The Great Debate, 1967), promoveu o papel das relações letra-som de forma mais articulada do que qualquer cientista de sua geração. No entanto, o ensino dos sons das letras que ela promoveu por meio de seu próprio trabalho nunca desenvolveu a os fonemas isoladamente. Sua pesquisa revelou que os alunos, para se tornarem leitores, precisavam progredir em múltiplas áreas de habilidades simultaneamente.
  2. Em 1990, Marilyn Jager Adams publicou o marco, Beginning to Read (Começando a Ler, em inglês) seu magnífico resumo da pesquisa sobre a aquisição das habilidades iniciais de leitura. Sem surpresa nenhuma, este trabalho – como o de Chall – tem sido um grande pilar do movimento para ensinar fonemas de forma explícita e completa desde o início. No entanto, a revisão incisiva da pesquisa rejeita explicitamente a ideia da separação entre “relações letra-som primeiro” ou “significado primeiro”. O texto descreve tais abordagens como “equivocadas” e “simplistas” e documenta a falta de experiências que apoiem ​​qualquer uma dessas abordagens.
  1. A corda de Hollis Scarborough, que você mencionou, trata do reconhecimento de palavras e a compreensão da linguagem de forma equivalente. No entanto, você pode ler essa metáfora visual para o desenvolvimento da leitura de duas maneiras diferentes. Da esquerda para a direita, sugere que ambos os conjuntos de habilidades se desenvolvem simultaneamente e interativamente desde o início. Ou pode lê-lo de cima para baixo, sugerindo que a compreensão da linguagem vem mais tarde no processo, construída sobre uma base de consciência fonêmica, relações letra-som e vocabulário visual. Recentemente, Hollis esclareceu o propósito da corda em uma sessão de perguntas e respostas disponível no YouTube. Ela disse que o editor do gráfico original deixou de fora um item importante. Deveria haver uma seta na parte inferior rotulada de tempo, e deveria apontar da esquerda para a direita. Seu entendimento da pesquisa está de acordo com os de Chall e Adams – a decodificação precisa ser ensinada no início do processo de desenvolvimento, juntamente com essas habilidades de compreensão.
  1. O relatório do National Reading Panel (NRP, 2000) é frequentemente citado como o principal suporte para o ensino de fonemas. Descobrimos (eu era um membro do painel) que o ensino sistemático e explícito dos sons das letras ajudou os alunos a se tornarem melhores leitores – com base em uma meta-análise de 38 estudos. Mas a maioria desses estudos abordava o ensino de fonemas incorporado ou acompanhado por um programa de leitura mais abrangente (o mesmo aconteceu com todos os outros componentes da leitura que o NRP examinou). Se você tiver alguma dúvida, Linnea Ehri, a cientista que liderou o setor de alfabetização do Painel, concentrou sua pesquisa não apenas em como as crianças aprendem a reconhecer palavras – já ouviu falar de orthographic mapping (mapeamento ortográfico, em inglês)? – mas também em abordagens mais abrangentes para decodificação como o método Reading Rescue.
  1. O Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos descobriu que, uma vez que o ensino conseguiu elevar as crianças a níveis médios de habilidade de decodificação – níveis que deveriam resultar em uma leitura bem-sucedida – mais da metade dos alunos ainda tinha dificuldades. A decodificação era essencial, mas insuficiente para o sucesso. É por isso que Reid Lyon, Jack Fletcher, Barbara Foorman, Joe Torgesen e tantos outros endossaram abordagens mais abrangentes para atender às necessidades de leitura das crianças (Fletcher & Lyon, 1998). Ficou bastante claro que o ensino desses componentes ocorre de forma simultânea, não consecutiva ou sequencial. Seria cruel colocar toda a ênfase em uma parte do processo, permitindo que as crianças se prejudiquem nas outras partes (como ingerir cálcio e retirar a proteína).
  1. Talvez você pense que o que estou dizendo pode ser verdade para algumas crianças, mas não para crianças com dislexia. Você verá que pensou errado se examinar a pesquisa rigorosa e bem fundamentada de pessoas como Sharon Vaughn ou Maureen Lovett. Essa ideia de que as crianças precisam apenas de suportes de decodificação desde o início nem passou pela mente delas – pesquise sobre as intervenções que eles desenvolveram para alunos com dislexia.
  1. Não muito tempo atrás, em um fórum online, alguém argumentou que não havia problema em ensinar fonemas para crianças que já sabiam decodificar satisfatoriamente, que “não faria mal”. Pesquisas mostram que envolver essas crianças em atividades de compreensão e linguagem, em vez de ensiná-las novamente o que elas já sabem, gera maior progresso no aprendizado (Connor, Morrison e Katch, 2004). Não há nada de errado em apoiar o ensino dos dons das letras, mas esse comportamento de desdém quanto à educação dos filhos de outras pessoas é insensível e ofensivo (sim, infelizmente, testemunhei o mesmo tipo de insensibilidade e falta de graça daqueles que usam as necessidades de decodificação das crianças como forma de “aliviar” seu próprio desrespeito).
  1. O valor ou a possibilidade de ensinar habilidades fundamentais e linguísticas simultaneamente não serve apenas para leitura. Karen Harris e Steve Graham compartilharam comigo alguns de seus trabalhos recentes que mostram que os alunos do primeiro ano do fundamental se saem muito bem com uma abordagem mais abrangente desde o início da alfabetização (Harris, Kim, Yim, Camping, Graham et al., em revisão).

Eu poderia continuar, mas acho que você entendeu. Os cientistas que mais sabem sobre isso são grandes defensores do ensino das relações letra-som, mas não aceitam a ideia de que é “os sons das letras primeiro” ou “apenas os fonemas”. Essas ideias vêm de pessoas que estão agindo sem planejamento, tentando fazer uma venda ou – talvez como o seu município – querem responder à pressão da comunidade sem se dar ao trabalho de examinar a ciência da leitura.

Como proceder? A maneira como eu lido com isso é separando tempo para cada parte do currículo de alfabetização. Sigo as pesquisas e defendo o ensino de relações letra-som por cerca de 30 minutos por dia (assim como na maioria dos estudos resumidos pelo National Reading Panel). Quantidades de tempo parecidas ​​​​devem ser dedicadas a outros componentes importantes, como escrita, compreensão e fluência de leitura. Assim, as crianças obtêm o que as pesquisas dizem ser uma dose eficaz de ensino de fonemas e não deixam de aprender as outras coisas de que precisam para serem bons leitores.

Em Chicago, quando eu era o diretor de leitura, começamos cada workshop com uma visão geral de todas as habilidades necessárias para ler. A cada sessão, eu explicava: “a formação profissional de hoje é sobre tal assunto, mas não porque esse era o componente mais importante – ou o único – da leitura”. Era importante e era o assunto do dia, mas tinha que se encaixar com as outras peças (que também eram essenciais e importavam tanto quanto). Isso funcionou para nossas crianças.

Por favor, compartilhe este artigo com seus gestores e coordenadores. Talvez possamos convencê-los a perder menos tempo e realmente atender às necessidades de alfabetização de nossos alunos.

Não vamos afundar o barco tentando parecer que estamos fazendo um ótimo trabalho com as relações letra-som.

Referências

Adams, M. J. (1990). Beginning to read: Thinking and learning about print. Cambridge, MA: Massachusetts Institute of Technology Press.

Chall, J. S. (1967). Learning to read: The great debate. New York: McGraw-Hill.

Connor, C. M., Morrison, F. J., & Katch, L. E. (2004). Beyond the reading wars: Exploring the effect of child-instruction interactions on growth in early reading. Scientific Studies of Reading, 8(4), 305-336.

Fletcher, J. M., & Lyon, G. R. (1998). Reading: A research-based approach. In W. M. Evers (Eds.), What’s gone wrong in America’s classrooms (pp. 50-77). Palo Alto, CA: Hoover Institution Press. 

Harris, K. R., Kim, Y., Yim, S., Camping, A., Graham, S., & Fulton, M. L. (Under review). Yes, they can: Developing transcription skills and oral language in tandem with SRSD instruction on close reading of science text to write informative essays at Grades 1 and 2. 

National Reading Panel (U.S.) & National Institute of Child Health and Human Development (U.S.). (2000). Report of the National Reading Panel: Teaching children to read : an evidence-based assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction. U.S. Dept. of Health and Human Services, Public Health Service, National Institutes of Health, National Institute of Child Health and Human Development

 

Texto original em inglês foi publicado no blog Shanahan on Literacy, do Timothy Shanahan.
Tradução: Danilo Aguiar / Américo Amorim.

Vocabulário: cinco dicas de ensino que todo professor precisa saber

Vocabulário: cinco dicas de ensino que todo professor precisa saber

Do túnel do tempo: esta publicação no blog foi feita pela primeira vez em 28 de setembro de 2019 e reeditada em 17 de outubro de 2020. Quando jovem, comecei a melhorar meu vocabulário, pois sabia que isso aumentaria minhas chances de entrar na pós-graduação. No decorrer de quase um ano, aprendi cerca de 400 palavras novas (todas anotadas em fichas para praticar). Esse não era um estudo de pesquisa, eu realmente precisava dominar essas palavras. Minha impressão pessoal: não pude acreditar no quanto minha leitura e compreensão auditiva melhoraram nesse período; coisas que eu “meio que” entendia anteriormente passei a realmente entender com aquele léxico mais rico. Ensine bem o significado das palavras, junto com outros aspectos do vocabulário.


Pergunta de um colega professor:

“Qual é a melhor maneira de ensinar e fazer com que os alunos aprendam vocabulário?”

A minha resposta:

Minha reação original a essa pergunta não foi exatamente o que eu chamaria de “útil”.

A pergunta foi feita por alguém que conheceu o meu blog recentemente. Comecei a enviar para ele uma nota dizendo que já tinha escrito sobre isso várias vezes e, se ele procurasse no meu site, encontraria uma resposta para a sua pergunta.

Mas eu pensei duas vezes e decidi ser um pouco mais compreensivo. Eu ainda não pretendia escrever uma publicação para o blog. Achei que seria generoso identificar alguns links específicos do site, para que ele não tivesse que pesquisar por conta própria.

Fiquei surpreso quando não consegui encontrar uma resposta para essa muito razoável pergunta pedagógica. Já escrevi um pouco sobre vocabulário e disponibilizei links para alguns recursos de vocabulário em meu site. Mas não há uma definição clara do que funciona no ensino de vocabulário. Vamos cuidar disso agora.

Primeiro, uma introdução.

Eu aprendi ao longo dos anos que não há “igualdade” entre as palavras.

Por exemplo, algumas palavras são mais úteis do que outras. Saber o significado da palavra “enxovalho” provavelmente é menos útil do que conhecer o principal sinônimo dela, “vergonha”.

Os leitores precisam saber as palavras que os autores usam. Você tem um tempo limitado para comunicá-las, certifique-se de investi-lo no ensino de palavras que abrirão mais portas de compreensão para seus alunos.

Também podemos supor que algumas palavras são aprendidas mais facilmente do que outras. Eu aprendi sozinho a ler francês, uma língua que não falo (embora atualmente eu esteja tentando falar). Sem conhecer algumas palavras, procurá-las no dicionário parece suficiente para torná-las parte do meu dia a dia. Mas também existem palavras escorregadias que pesquisei dezenas de vezes com sucesso.

Os professores precisam reconhecer (e ser pacientes) com essa grande desigualdade – não apenas entre as crianças, mas na experiência de cada aluno.

Um segundo quesito é a distinção entre vocabulário e conceito. O vocabulário refere-se aos rótulos que associamos a conceitos ou ideias particulares, enquanto os conceitos são aquelas ideias às quais as palavras se referem.

Uma palavra como “brilho” será facilmente aprendida por crianças que já viram luzes piscando ou oscilando, mas será necessário mais esforço para aquelas que não viram. Se for falta de vocabulário, muito desse ensino pode ser feito verbalmente, mas se ainda não conhecem um conceito, então as palavras por si só provavelmente não serão suficientes.

Para finalizar esta introdução, digo que grande parte do vocabulário é aprendido fora do ensino formal. Conhecemos palavras no meio de conversas, observações, uso da mídia (televisão, celular, internet), leitura e assim por diante. Aprendemos tantas palavras dessas maneiras que alguns estudiosos zombam do valor do ensino explícito. No entanto, pesquisas mostram que o ensino de vocabulário pode melhorar a compreensão da leitura de forma expressiva – se ensinarmos as palavras certas bem o suficiente. O ensino de vocabulário eficaz tem alguns princípios-chave.

1. Concentre-se em significados ricos, não apenas em definições de dicionário

Frequentemente, as atividades escolares de vocabulário se limitam a colocar as crianças para copiar definições do dicionário. Mas os pesquisadores identificaram uma série de abordagens estratégicas que superam qualquer aprendizado que possa resultar da cópia de definições.

Um desses princípios-chave é que os alunos trabalhem com definições ou explicações mais extensas ou complexas do significado das palavras. Incentive que elas busquem em enciclopédias a explicação dos significados do dicionário.

Quando ensino vocabulário, frequentemente faço as crianças tentarem fornecer várias versões diferentes da definição de uma palavra:

  1. Definição de dicionário
  2. Sinônimos para a palavra
  3. Antônimos (se houver)
  4. Criação de uma frase ou discurso que inclua a palavra
  5. Classificação (a que grupo semântico pertence, como ferramentas ou formas de falar)
  6. Comparação (é como _____, mas diferente porque _____)
  7. Exemplos da vida real
  8. Versão gráfica (desenhos, fotos, representações)
  9. Representação da palavra em um “teatrinho”

Quando você chegar a nove explicações diferentes para uma palavra, é mais provável que se lembre dela (e, é claro, podemos fazer mais do que apenas essas nove, se quisermos entrar em analogias, relações parte-todo, etc.).

2. Enfatize as conexões entre as palavras

Muitas atividades sobre vocabulário separam as palavras por categoria, por exemplo, como utilizar palavras de saúde e medicina ou sobre transporte, incluindo termos apoiados por pesquisas que provam a eficácia do uso deles. No entanto, pesquisas específicas sobre esse aspecto do ensino sugerem que o aprendizado de palavras é mais lento e sem vantagens posteriores evidentes, quando observamos o trabalho extra exigido para a aprendizagem desses conjuntos de palavras.

E, ainda, evidências revelam que as palavras estão organizadas em várias redes dentro da nossa mente, e não em blocos como dicionários. Quando você se lembra de uma palavra, você tira da memória uma infinidade de ideias relacionadas a ela – características, funções e sinônimos relacionados a essa palavra.

Comece a pensar em caminhões a diesel e palavras como roda, pneu, caminhão caçamba, gasolina e rodovia serão lembradas.

Há momentos em que é necessário introduzir ao mesmo tempo diferentes grupos de palavras intimamente relacionadas com diferenças sutis, como quando as crianças estão aprendendo sobre a estrutura de células ou átomos. Eu não me incomodo com esses momentos, já que essas introduções provavelmente serão acompanhadas por atividades que vão aprofundar os conceitos associados a esses grupos de palavras.

Eu também acho que é bastante coerente, ao ensinar palavras, fazer as crianças pensarem sobre aquelas relacionadas aos conceito que elas já devem ter dominado. Vincular uma nova palavra a um conceito é muito diferente de tentar aprender e vincular uma coleção inteira de palavras.

Eu evitaria introduzir os seguintes vocabulários juntos: abundância, escassez, insufciência, cornucópia, falta, sobra, suficiente, farto e generoso como alguns programas fazem. O ideal é apresentar essas palavras uma a uma ao longo do tempo e, mais tarde, você poderá fazer com que os alunos comparem as ideias ou tentem organizá-las em uma rede.

Os alunos de uma professora que conheço registram toda semana as palavras aprendidas em uma pasta coletiva e, quando uma ficha acumula várias palavras relacionadas, a turma revisa todas as palavras em conjunto.

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3. Promova o uso das palavras

Estudar o significado das palavras não é o suficiente, para as crianças. Elas precisam aprender a usar essas palavras na leitura, escrita, fala e audição. As propostas didáticas devem criar oportunidades para que as crianças usem as palavras de todas essas maneiras.

Por exemplo, aquela atividade de vocabulário que comentei anteriormente (diferentes versões de definição para uma mesma palavra) pode ser realizada por grupos de crianças, que poderão juntas chegar às múltiplas definições. Esse tipo de cooperação exige que as crianças conversem entre si sobre as palavras. Além disso, eu geralmente atribuo um pequeno número de palavras a cada grupo e depois peço que se reúnam para ensinarem uns aos outros as palavras que seus grupos estudaram… hora das crianças falarem e ouvirem mais.

É possível recompensar as crianças por usarem o vocabulário estudado em sua escrita. Isso pode ser incentivado de várias maneiras.

Pesquisadoras educacionais tiveram uma ideia chamada “corrida das palavras”, que consiste em dar às crianças pontos extras no vocabulário se trouxerem evidências de que encontraram ou usaram  no dia a dia as palavras estudadas. As crianças ficam muito animadas quando encontram palavras do vocabulário enquanto assistem televisão ou jogam seu jogo de computador favorito.

4. Revisar é importante

Pode ser difícil aprender vocabulário se você não tiver muitas oportunidades de usá-lo. Podemos ensinar vocabulário utilizando palavras destacadas nos textos que lemos durante semana. Mas pode ser que as crianças demorem a rever essas palavras, posteriormente.

Há muitas maneiras de lidar com o vocabulário, como ter um dia por semana em que você só trabalha com palavras que foram ensinadas (e supostamente aprendidas) no passado – ou talvez semanas inteiras devam ser dedicadas a isso ao longo do ano.

Eu sou um fã de incluir palavras de semanas anteriores em testes de vocabulário, bem como do uso de cadernos de vocabulário para ajudar a melhorar a escrita das crianças durante a revisão.

Outra forma de garantir que as palavras se fixem é ver quantas palavras adicionais os alunos podem construir morfologicamente, adicionando prefixos ou sufixos ou alterando partes do discurso e assim por diante. Já escrevi sobre alguns dos trabalhos importantes que estão sendo feitos em morfologia pelos professores e pesquisadores educacionais Peter e Jeffrey Bowers (e você pode pesquisar por eles no Google).

5. Envolva os alunos na identificação de algumas das palavras a serem estudadas

Observei que grande parte do aprendizado de vocabulário acontece por acaso e, portanto, ocorre fora do ambiente escolar. No entanto, nem todas as crianças são igualmente boas nesse tipo de aprendizado e, mesmo para aquelas que aprendem facilmente dessa forma, ainda pode ser um trabalho árduo e que exige muitas experiências com uma palavra para “fixá-la” na memória.

Uma coisa que podemos fazer para ajudar a desenvolver uma “consciência das palavras” entre nossos alunos é envolvê-los na identificação de palavras desconhecidas em suas próprias leituras – e incluí-las no planejamento de aula. Quando os leitores se acostumarem a perceber que não conhecem certas palavras, é mais provável que tentem preencher essas lacunas durante a leitura. As crianças também ficarão mais motivadas se puderem opinar sobre o planejamento.


Texto disponível em https://www.shanahanonliteracy.com/blog/five-things-every-teacher-should-know-about-vocabulary-instruction. Acesso em 18/10/2020.

Vale a pena ensinar com a leitura silenciosa – mesmo à distância

Vale a pena ensinar com a leitura silenciosa – mesmo à distância

Ensinar a ler é um processo que passa por frequentes mudanças. Nós, professores ao ensinarmos leitura, podemos ser tão apaixonados e inconstantes quanto um bando de adolescentes murmurando sobre artistas ou redes sociais, como a cantora Billie Eilish ou o TikTok.

Passamos por períodos em que ou usamos livros ou os evitamos; ou abraçamos a fonética ou a evitamos. O “pêndulo educacional” balança para a frente e para trás. Surge um novo programa ou uma nova abordagem de leitura que rapidamente começa a aparecer por toda parte. E aí nos perguntamos: o que aconteceu com os outros programas ou propostas de ensino-aprendizagem de leitura?

Popular mesmo é a leitura “round robin” (em voz alta)

No entanto, uma coisa que parece nunca mudar é a onipresença da “leitura round robin – quando pedimos a uma criança que leia o texto para seu grupo ou para toda a classe, enquanto as outras, supostamente, acompanham. Esse uso do termo “round robin” é relativamente novo (a primeira menção que encontrei é do final dos anos 1950), mas a prática é muito mais antiga – o polímata e pesquisador estadunidense Ben Franklin já se queixava disso no século XVIII.

A prática persiste porque é um esquema viável para conduzir uma aula. Mesmo professores pouco qualificados podem manter as crianças concentradas em suas tarefas e podem ter certeza de que o conteúdo foi ministrado, mesmo que não tenha sido aprendido.

Infelizmente, essa prática não funciona porque destrói propostas mais eficazes de prática de leitura oral e elimina o ensino de leitura silenciosa. Nesse sentido, ela funciona como uma planta parasita no ensino de leitura, que invade e suga todos os recursos vitais de que outras espécies precisam para prosperar.

Incentive as crianças a ler de diferentes formas

Já escrevi diversas vezes sobre o valor da leitura em dupla acompanhada pelo professor, da leitura repetida e assim por diante. Em vez de fazer com que cada aluno leia em voz alta, o que é uma grande perda de tempo, ou focar na leitura em coral (em que as crianças podem participar aparentando dizer as palavras sem necessariamente lê-las), faz mais sentido fazer parceria com as crianças, fazendo com que elas se revezem na leitura umas com as outras e o professor circule entre os grupos.

As crianças podem facilmente praticar a leitura oral 10 ou 20 vezes mais do que jamais poderiam na leitura individual em voz alta. Também é muito mais interessante pedir a uma criança que releia algo lido com dificuldade, nessas circunstâncias ou situações didáticas de parceria/duplas.

Minha maior preocupação agora, com tantas pessoas ensinando à distância, é o uso do round robin (leitura individual em voz alta) como forma de orientar a compreensão da leitura. Conforme mencionei, os professores tendem a valorizar esse tipo de controle da atividade de leitura.

Dessa forma, fazer com que os alunos se revezem na leitura de uma parte do texto em voz alta pode preencher a sessão de Zoom facilmente e manter as crianças concentradas, sem realmente ajudá-las a aprender. Essa prática pode consumir tanto o ensino de leitura quanto de outros conteúdos ou áreas de conhecimento.

Leitura silenciosa, leitura guiada e outros formatos

É evidente que os leitores iniciantes precisam ler em voz alta, para que o round robin seja uma experiência agradável. Mas certamente a partir do 3º ano, as crianças devem ser orientadas a ler silenciosamente com o propósito de compreenderem o que lêem.

Muitos professores me dizem que não fazem isso porque as crianças podem não entender o texto quando fazem a leitura silenciosa. Isso é como não ensinar alguém a andar de bicicleta porque ela continua caindo. A razão pela qual você ensina algo é porque os alunos ainda não sabem fazer.

As típicas aulas de leitura, guiada ou dirigida, em que o professor prepara os alunos com, por exemplo, pré-visualização do texto, introdução de novos vocabulários e levantamento de conhecimentos prévios, devem acontecer com os alunos lendo o texto em etapas ou partes. Após cada parte lida, deve fazer uma roda de conversa sobre a leitura feita. Essa é uma maneira sensata de agir pedagogicamente.

A proposta é que essas partes sejam lidas silenciosamente ao invés de em voz alta. Inicialmente, mantenha os trechos bem curtos e, com o tempo, vá os expandindo à medida que os alunos demonstrem capacidade para avançar. Parte do seu trabalho é “esticá-los”, ampliar o tamanho dos textos. Isso aumenta a velocidade média de leitura e permitirá que você monitore o quão bem um aluno pode ler diferentes comprimentos de texto.

A orientação dos professores é indispensável

Se os alunos não conseguirem entender uma seção, peça que a leiam (ou que releiam uma frase ou parágrafo específico). O objetivo é usar essa conversa para identificar onde é a raiz da falta de compreensão e, em seguida, ajudar o aluno a descobri-la por meio da própria leitura (sem dar a resposta).

Eu sou um grande fã de respostas múltiplas durante as discussões em classe e em grupo. Isso significa que o professor faz a pergunta e todos respondem simultaneamente. Normalmente faço isso escrevendo … posso facilmente ver quem está inseguro (quando eles olham para os outros) e posso circular entre eles para ver quem entendeu e quem não.

Não consegui descobrir como fazer isso com sucesso nas várias plataformas de ensino à distância. Não sei se há uma maneira de as crianças digitarem uma resposta que apenas o professor veja, o que seria o ideal. Se alguém souber como fazer isso, deixe um comentário, pois tenho certeza de que não sou o único a lutar com essa ideia.

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De qualquer maneira, queremos ensinar os alunos a ler silenciosamente e com elevada compreensão. A prática frequente da fluência em leitura oral contribui para esse objetivo, mas não substitui o envolvimento dos alunos em práticas de leitura silenciosa com a orientação do professor. O aluno deve melhorar com o tempo.

“Melhor”, neste caso, significa: ser capaz de ler com sucesso textos cada vez mais complexos; capaz de manter uma leitura bem-sucedida por longos períodos de tempo ou por um número maior de palavras ou páginas; capaz de compreender bem com menos apoio do professor, com maior independência intelectual.

Isso só acontecerá se você envolver os alunos em oportunidades de leitura silenciosa responsáveis, apoiadas e ampliadas – mesmo que isso tenha que ser feito à distância.


Texto original publicado aqui.

Táticas fáceis para estimular a leitura guiada em aulas síncronas

Táticas fáceis para estimular a leitura guiada em aulas síncronas

Nas últimas duas semanas, recebi várias perguntas sobre aprendizado à distância e ensino remoto. Aqui está um exemplo de questão, enviada por um professor: “Pode ser que eu não dê aulas presenciais aos meus alunos durante todo este ano. Qualquer ajuda que você puder fornecer será muito bem vinda.”

Para responder a essa pergunta, vamos imaginar que você foi designado para ajudar a melhorar o aprendizado em leitura em uma escola local. Você começa fazendo observações em sala de aula para ver se consegue descobrir o que poderia ser melhorado e fazer a diferença.

Há muitas coisas que você pode procurar, pesquisar. Eu vou focar no básico: quantas informações e atividades de leitura as crianças estão recebendo? Elas estão aprendendo e desenvolvendo todas as habilidades essenciais? Elas estão lendo e interagindo com o professor e com outras crianças sobre o que estão lendo? Em muitas salas de aula, todas as crianças são atendidas ao mesmo tempo pelo(a) professor(a), com poucas chances de receber respostas personalizadas e que atendam às suas necessidades individuais. Ou ocorre o contrário: divididas em grupos pequenos, passam muito tempo sozinhas.

Todo o tempo de aula pode ser eficaz se as crianças participam muito e se o professor acompanha, media e responde às suas necessidades; infelizmente, isso não acontece frequentemente. O tempo do pequeno grupo também pode ser eficaz, mas geralmente isso não ocorre em função do que está acontecendo com o resto das crianças na sala de aula. Veja o que as evidências dizem sobre tarefas de classe e outras atividades de aprendizagem individual. Eles podem manter as crianças ocupadas, mas isso não se quer dizer que elas estão aprendendo.

As crianças ficam mais “inibidas” nas aulas online?

Recentemente, eu estava conversando com uma professora do ensino médio que me contou sobre suas experiências de ensino a distância no primeiro semestre de 2020. “Eu conhecia meus alunos muito bem antes do distanciamento social. Fiquei surpresa com a forma como eles participaram das aulas online. Os alunos que eu sabia que podiam dar ótimas respostas, nos momentos de troca, estavam muito silenciosos e participaram bem menos. Em vez de dar respostas robustas que ajudariam as outras crianças, eles estavam dando respostas de uma ou duas palavras.”

Analisei artigos e pesquisas para ver se achava informações sobre essa suposta inibição do aluno – mas não tive sucesso. Dessa forma, comecei a perguntar a outros professores sobre isso para ver como foram suas experiências durante o distanciamento social. Vários me disseram que também notaram esse problema. Seus alunos estavam mais quietos, menos participativos, aparentemente mais reticentes.

Esse tipo de inibição ou timidez que esses professores descreveram é um problema real. Estudos mostram a importância da discussão e de outros tipos de interação professor-aluno e aluno-aluno na aprendizagem (por exemplo, Matumara, Garnier, & Spybrook, 2013; Ponitz, Rimm-Kaufman, Grimm, & Kirby, 2009; Barnes & Puccioni, 2017). Se um professor faz uma pergunta e os alunos ficam se entreolhando ou olham para cima sem responder, provavelmente aprenderão bem menos.

Crie enquetes para despertar o interesse pela leitura guiada

Aqui está o meu conselho: aprenda a usar o recurso de votação de sua plataforma de ensino e crie enquetes. A enquete pode ser um pouco complicada, mas permite que cada aluno se posicione individualmente. Isso é mais seguro em termos de respostas dos alunos do que um professor normalmente pode obter durante uma aula em um pequeno grupo, e o professor pode monitorar/acompanhar essas respostas. “Tiago, vejo que você ainda não respondeu.”

Para a enquete, pense em perguntas mais variadas do que você faria normalmente. Professores costumam dar aos alunos um propósito para a leitura: “Neste texto, procure descobrir por que Tiago não queria ir para o acampamento.” Mas o professor normalmente não acompanha essa informação com uma pergunta. Talvez, em vez de ir direto para a leitura, seja mais interessante fazer uma enquete com as crianças com uma pergunta de múltipla escolha.

Qual destes é o nosso propósito ao ler esta parte da história?

  1. Descobrir onde Tiago vai passar as férias;
  2. Descobrir se Tiago vai para o acampamento;
  3. Descobrir por que Tiago não quer ir para o acampamento;
  4. Descobrir por que Tiago quer ir para o acampamento.

Eu faria isso para manter o foco das crianças no jogo. Essa abordagem já não é necessária quando estamos todos presencialmente ou sentados ao redor de uma mesa. Mas, à distância, precisamos ser bastante vigilantes quanto à participação das crianças. Essas atividades em sala ensinam aos alunos mas incentivam pouco que eles se envolvam na aula. Em aulas online, é importante envolver a criança ao mesmo tempo em que informa, e eu acredito que a enquete pode ajudar nisso.

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Peça para as crianças fazerem uma leitura guiada em silêncio

Outra possibilidade seria não dizer às crianças o propósito, mas reformular a pergunta da seguinte forma: “Qual destas seria a melhor coisa para se procurar quando lermos a próxima seção?” Essa proposta é menos sobre verificação e mais sobre como fazer com que as crianças se engajem bastante na realização da atividade, porém pode funcionar de ambas as formas.

Para esse tipo de leitura guiada, peça aos alunos que leiam o texto silenciosamente, exceto as crianças mais novas que talvez ainda não saibam fazer isso. Quando os alunos conseguirem ler com mais desenvoltura, entre o 1º e 2º Ano do Ensino Fundamental, eles já devem pelo menos ser capazes de fazer a leitura sussurrada ou murmurada, mesmo que não totalmente em silêncio, no começo e certamente não precisam pronunciar todas as palavras em voz alta.

As evidências revelam que os professores dependem demais da leitura feita em voz alta, aluno por aluno, quando utilizam textos em grupo. O ensino à distância tende a reforçar ainda mais esse tipo de estratégia. Resista a isso, pois as crianças precisam aprender a ler silenciosamente para compreender, mesmo que isso signifique ler algo mais de uma vez para entender.

Para essa leitura silenciosa, divida o texto a ser lido em pequenas partes. Se você estiver enviando livros para casa, sugiro aumentar o número de “paradas” que você normalmente faria em uma atividade de leitura em grupo. Se você comumente pede às crianças que leiam toda a seleção por conta própria, peça que leiam apenas 3-4 dessa proposta antes da discussão. Se costuma entregar algumas páginas, então proponha uma ou duas pois, quanto mais curtas as leituras, menor o tempo que as crianças levarão para ler tudo. No ensino à distância, é preciso manter o grupo mais unido do que o normal.

Quando os livros não são enviados para casa, os alunos devem ler o texto projetado no quadro ou tela. Isso certamente limita a duração das leituras, mas os professores podem facilmente acompanhar esses intervalos de leitura silenciosa com discussão.

A chave do sucesso da leitura guiada: diversificar!

Embora eu recomende a pesquisa de opinião, não se limite às respostas coletadas. A enquete é útil; no entanto, não substitui uma discussão real. Essa estratégia pode ser utilizada para identificar as crianças que não estão prestando atenção, pode ser um ponto de partida para uma discussão real ou uma ferramenta de diagnóstico para descobrir quem não está compreendendo o assunto. Faça a devolutiva da enquete da seguinte forma: “Há algumas divergências aqui. Alguns de vocês disseram sim e alguns disseram não. Leiam o texto novamente e vejam como encontrar evidências para apoiar suas ideias. ” Ou “Alguns de vocês perderam este item. Vamos voltar a esse parágrafo e ver se podemos descobrir … Alguém quer mudar sua resposta? ”

Faça enquetes com os alunos não apenas sobre os tipos de perguntas que você tradicionalmente faz – como aquelas que você faz seguindo o padrão expresso no livro didático.

Examine o texto com antecedência e observe as situações que você acha que podem confundir as crianças: uma frase complicada, uma informação dada de forma sutil, um ponto-chave facilmente esquecido, uma conclusão necessária, uma definição que pode ser alcançada por meio do contexto, figuras de linguagem ou uma expressão idiomática, uma estrutura de texto informativa e reveladora. Só então você faz perguntas que revelarão se os alunos compreenderam ou se eles precisam de alguma orientação específica.

A quantidade e a qualidade da interação afetam o quanto os alunos aprendem. Se você está trabalhando em uma situação que não encoraja a interação, ajuste seu ensino e aproveite as vantagens da tecnologia para tentar impulsioná-las. A enquete é uma daquelas estratégias que podem tornar eficaz uma aula de leitura guiada ministrada à distância.

Texto original disponível aqui.

Timothy Shanahan: já sou um(a) ótimo(a) professor(a), por que deveria seguir evidências científicas?

Timothy Shanahan: já sou um(a) ótimo(a) professor(a), por que deveria seguir evidências científicas?

Um professor me perguntou: “o que significa dizer que algo tem base em evidências científicas? Sou professor há anos e já ensinei centenas de crianças a ler. Agora me disseram que em nosso estado devemos ensinar com base em evidências de pesquisas. Gosto de ensinar e não quero mudar meu estilo. Por que deveria?”

Eu imagino que muitos professores concordam com ele. Um pesquisador como eu pode recomendar esta ou aquela abordagem de ensino como ideal. Porém, muitos(as) professores(as) veem o aprendizado de seus alunos progredindo bem sem esse método visto como indispensável pelos cientistas.

Por que confiar em um pesquisador que nem conhece esses(as) alunos(as), quando você pode confiar em seus próprios olhos?

O que funciona pra uns pode não funcionar para outros

Primeiro, é importante saber o que queremos dizer quando afirmamos que a pesquisa mostra que uma abordagem de ensino “funciona”. Isso NÃO significa que somente essa abordagem funciona, mas quer dizer seus benefícios são um pouquinho maiores em relação aos de outros métodos.

O fato de haver alguma melhoria, mesmo que pequena, não significa que todas as crianças do grupo experimental prosperaram e que todas as crianças do grupo de comparação definharam. Simplesmente significa que a média de desempenho foi diferente para os dois grupos.

Você deve ter notado que usei o termo grupo de comparação em vez de grupo de controle. Normalmente, não temos “grupos de controle” nos estudos de leitura, pois seria antiético controlar ou limitar a alfabetização de qualquer pessoa. Todo método de ensino provavelmente vai ensinar algo, portanto sempre haverá aprendizado nos dois grupos.

Nesse caso, as crianças que fizeram tarefas de consciência fonológica superaram as que não tiveram essas habilidades estimuladas. Talvez, muitas das crianças ensinadas tenham se saído um pouco melhor que as crianças do grupo de comparação. Ou talvez, algumas crianças de cada grupo não tenham aprendido a ler, mas houve menos dessas falhas quando a consciência fonológica fazia parte das aulas.

Em todo caso, isso não quer dizer que as crianças do primeiro grupo aprendem e as do segundo grupo, não. Não é bem assim, no estilo “preto e branco” – está mais para tons de cinza. Essencialmente, por em prática os métodos de ensino que as pesquisas recomendam significa tentar alterar as probabilidades de sucesso dos(as) alunos(as).

Aproveite as oportunidades

Segundo, ao considerar se você deve seguir o que diz a pesquisa, entender o conceito de “custo de oportunidade” ajuda bastante.

Digamos que você ensina a ler há 10 anos e as crianças aprendem, as notas de provas e atividades são parecidas em média, as famílias estão felizes com sua maneira de ensinar e a direção da escola elogia seu trabalho como educador(a).

Obviamente, o seu jeito de ensinar está funcionando. Por que mexer em time que está ganhando, não é?

Essa até parece uma boa ideia, mas ela ignora o que chamei de custo de oportunidade. O fato de você alfabetizar de um certo jeito tirou de você a chance de ver como seria e quais resultados teria se ensinasse de outra maneira.

É aí que entra a pesquisa. Os(as) pesquisadores(as) tentarão organizar seus estudos de forma que seja possível avaliar como uma abordagem de ensino se compara a outra. E aí podemos ver que seus alunos poderiam inclusive aprender tanto quanto ou até mais se tivessem sido ensinados de outra maneira.

Em outras palavras, pode ser que não haja motivos para você ter uma abordagem pedagógica preferida. Nenhum(a) professor(a) pode saber o que suas crianças estão deixando de aprender por meio da abordagem atual, que parece tão satisfatória.

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As evidências científicas são indispensáveis

Terceiro, estou me referindo a pesquisas que se concentram em resultados específicos, na maioria das vezes nos ganhos de leitura mas também em outros resultados (por exemplo, interesse, motivação). Às vezes, pode parecer que os(as) professores(as) “negam a ciência” porque não reconhecem as descobertas reveladas pela pesquisa.

O(a) pesquisador(a) se preocupa em saber quantas palavras corretas por minuto as crianças podem ler, se elas podem decodificar uma lista de palavras sem significados ou quantas perguntas de múltipla escolha foram respondidas em uma avaliação. O professor pode ter outros critérios em mente.

Há alguns “casos” que sempre acontecem comigo. Quando mostro as provas de que um certo Método A obtém melhores resultados de aprendizado do que um Método B, sou inundado em mensagens de defensores de um Método B. Essas pessoas têm certeza de que, se eu visitasse a sala de aula delas, eu mudaria de idéia.

Esses(as) professores(as) não são burros(as), apenas têm objetivos diferentes dos adotados pelos pesquisadores.

Estou tentando fazer com que as crianças alcancem os níveis mais altos de aprendizado em leitura e escrita. Os(as) professores(as) também podem querer isso, mas podem valorizar ainda mais a sensação de poder ensinar de forma que eles (professores) se sintam em casa. É por isso que têm tanta certeza de que, se eu visse o quão boa é a sala de aula deles(as), eu escolheria a abordagem deles(as) e não a mais eficaz, em teoria.

Os(as) professores(as) costumam me dizer que precisam fazer tudo do jeito deles(as), porque estão ensinando “amor pela leitura”. Parece não incomodar a ninguém o fato de que não há uma referência de “amor pela leitura” no estado onde vivem, nenhum estímulo a esse “amor pela leitura” ou que esse “amor” depende muito do quão bem as crianças conseguem ler.

Podemos amontoar pesquisas e mais pesquisas aos pés desses(as) professores(as), mas essas pesquisas não se encaixam nas crenças e nos objetivos desses(as) educadores(as). Não importa quantas evidências nós mostremos, pessoas assim nunca serão convencidas.

Estimular o interesse pela pesquisa também é importante

Em conclusão, professores(as) geralmente sabem pouquíssimo sobre pesquisa – métodos de estudo, raciocínio, ética científica… Mesmo nas universidades de primeira linha, os estudantes dos cursos de educação têm pouco ou quase nenhum treinamento em pesquisa para professores e diretores. É difícil confiar em algo que você não entende.

Os(as) professores(as) muitas vezes duvidam de que “a pesquisa pode provar qualquer coisa”, revelando suas profundas suspeitas sobre a falta de confiabilidade tanto das evidências da(s) pesquisas quanto dos(as) pesquisadores(as).

Obviamente, os(as) pesquisadores(as) se preocupam bastante com esses problemas. É por isso que, por exemplo, a maior parte de nós não faz recomendações com base em apenas uma ou outra pesquisa, mas observando os resultados médios de diversas pesquisas para garantir a consistência das evidências descobertas.

Se um estudo diz que o “Programa de Leitura XYZ” gerou ótimos resultados, isso é uma coisa; mas se 38 ou 51 estudos reafirmam esse sucesso, então eu estou a bordo. Essa é a razão pela qual relatórios de diversos órgãos públicos dos Estados Unidos são tão úteis… é pouco provável que um estudo a mais atrapalhe esse sucesso, já que esses resultados se baseiam em muitas evidências. É nessa consistência que nós confiamos.

Quando o assunto é descoberta científica, outro benefício da abordagem metanalítica é que ela nos permite saber não apenas que uma abordagem funcionou – ou seja, que teve um efeito positivo no aprendizado – mas também entender o público com quem a abordagem funcionou e sob que circunstâncias ela deu certo.

Em muitas escolas, esse pensamento de “funcionar ou não” parece diminuir o nível de detalhe que os(as) professores(as) precisam para pôr em prática com sucesso os resultados das pesquisas – e justamente esses detalhes dariam aos professores maior confiança de que vale a pena seguir as pesquisas. Se 30 minutos por dia de ensino de fluência, por exemplo, podem melhorar essa habilidade, é necessário incluir esse ensino no planejamento. Mas se o(a) professor(a) não sabe o tempo de aula ou tipo de texto usado, o método pode falhar.

O(A) professor(a) que coloca as crianças para ler em voz alta uma página de texto fácil, para que pratiquem a fluência, está honrando a descoberta da pesquisa – o ensino de fluência é eficaz. Porém, não está seguindo as práticas pedagógicas específicas que levaram a essa descoberta.

Pouco a pouco, as crianças devem aprender muito com essa leitura, se o(a) professor(a) seguir a pesquisa. As evidências são a única ferramenta que temos para determinar quais métodos de ensino têm maior probabilidade de beneficiar o aprendizado de nossos alunos. O senso comum e a sabedoria acabam sendo são inúteis. É fácil para um(a) professor(a) deixar de buscar conquistas maiores para a turma se, para ele(a), “as crianças parecem ler bem”. Mas, atualmente, a tecnologia e as mudanças na maneira como trabalhamos e interagimos socialmente exigem níveis mais altos de alfabetização do que no passado. É importante prestar atenção nisso se os(as) estudantes precisam participar plenamente de nossa sociedade. Mais conhecimento sobre como a pesquisa é feita e como é avaliada ajudaria muito os(as) professores(as) a entender que essas informações podem realmente ajudá-los a serem cada vez melhores.

Espero que você consiga fazer as transformações necessárias na sua escola. Se bem feitas, elas podem levar a melhores resultados para todas as suas crianças.

Tradução: Danilo Aguiar /Américo Amorim.