Neste texto, vamos resumir e analisar os fatores que contribuem com o insucesso na alfabetização, indicando quais deles podem ser objeto de intervenções de gestores educacionais e professores. Boa leitura.

Pontos principais
Pais:
não deixem de participar da vida escolar dos(as) filhos(as): como reforço ao aprendizado, frequentem eventos escolares e cultivem o hábito de leitura junto às crianças.
Professores:
é importante se avaliar e entender de que forma os hábitos (leitura, motivação, sensação de adequação, por exemplo) de quem ensina reflete no aprendizado das crianças. Isso deixa as turmas mais próximas aos(às) professores(as).
Gestores escolares:
procurem, sempre que possível, atentar para a estrutura da escola (materiais educativos, salas, banheiros) e estar sempre próximos dos(as) alunos(as). Esse envolvimento favorece o sucesso das atividades em aula.

O fraco desempenho dos(as) estudantes em leitura e escrita nos anos iniciais do ensino fundamental é um sério problema para o sistema educacional brasileiro. Segundo as avaliações nacionais [1]:

  • 66% dos alunos terminam o ensino fundamental sem o nível mínimo desejado para língua portuguesa; e
  • 85% terminam o ensino médio sem aprender o mínimo esperado de matemática.

Esse problema também chega ao ensino superior, que conta com 50% de estudantes que são analfabetos funcionais [2]. É dentro desse contexto que se encontram os baixos níveis de alfabetização entre os alunos do ensino fundamental no Brasil.

O fracasso no aprendizado de leitura e escrita, uma questão estudada por várias disciplinas

A perspectiva histórica

Os livros de alfabetização das séries iniciais podem ser de grande importância para entender os baixos níveis de desempenho dos alunos. Esses livros surgiram por volta de 1890 e muitos professores ainda os utilizam como o seu principal guia – um reflexo dos embates metodológicos que ainda ocorrem no campo da alfabetização [3].

Desde 1980, o paradigma educacional mais importante no Brasil é o construtivismo, que foi fortemente promovido pela academia e pelo governo até 2018. Infelizmente, com base no pressuposto de que os alunos devem construir seus conhecimentos, uma grande parte dos educadores brasileiros esquece de dar atenção especial a concepção e planejamento das experiências didáticas que irão oferecer aos seus alunos [4]. Essa deficiência pode ser uma das razões que explica a falta de um método de alfabetização que seja reconhecido como efetivo nos anos iniciais [4]. Dentro deste contexto, a abordagem fonética começou a se proliferar depois dos anos 2000. Seus críticos, no entanto, dizem que é muito mecânica e não torna as crianças cidadãos alfabetizados e letrados [3].

Antropologia e o “jeitinho” na educação

Uma análise antropológica nos leva a crer que certos(as) professores(as) usam o “jeitinho brasileiro” quando deveriam adotar, por exemplo, práticas de letramento. Eles fingem estar de acordo e parecem ensinar pelo viés do letramento mas, na verdade, faltam componentes essenciais para uma proposta letrada. A pesquisa etnográfica revelou um processo desanimador em que professores e escola segregam alunos que não atendem aos padrões de comportamento e desempenho [5].

Raça, classe, gênero e sua influência no ensino

A perspectiva sociológica fornece uma visão interessante sobre a desigualdade socioeconômica e racial que ainda afeta os(as) alunos(as) dos anos iniciais. Também revelou o fato de que o censo brasileiro não é um instrumento confiável para avaliar a alfabetização porque é baseado apenas na resposta “sim” ou “não”. Em vez disso, futuros estudos devem se concentrar em dados de avaliações nacionais para avaliar a situação racial, socioeconômica e as lacunas de aprendizagem.

Relações entre educação e a economia

O aprendizado na educação infantil, o histórico familiar e o envolvimento dos pais são os principais fatores que influenciam o desempenho durante a alfabetização [6]. Enquanto isso, as famílias analfabetas experimentam alguns benefícios excepcionais quando seus filhos aprendem a ler e escrever, incluindo melhorias na saúde e na renda [7].

Leia mais

Artigo: Desenvolvimento cognitivo, Vygotsky e o aprendizado na alfabetização.
Artigo: Pedagogia, alfabetização e letramento nas escolas brasileiras, evolução histórica Artigo: Progressão automática + exclusão escolar oculta: duas das principais causas do baixo nível de aprendizado na alfabetização.
Artigo: desigualdade social, alfabetização, letramento e a importância da avaliação nacional de alfabetização.
Artigo: Escrever, desenhar e brincar, fontes indispensáveis de aprendizado
Artigo: Investir na educação é transformar a realidade das famílias brasileiras

Principais fatores dos baixos níveis de alfabetização

Escola, família, professor e aluno foram as quatro dimensões identificadas para organizar causas e fatores ligados aos baixos níveis de aprendizado de leitura e escrita na alfabetização.

Visando demonstrar potenciais ações que podem ser conduzidas por gestores educacionais e professores, fizemos uma classificação das causas que contribuem com o baixo nível de aprendizado. O nível de importância para cada fator foi atribuído de acordo com uma regra simples: o que influenciava diretamente a aprendizagem tinha grande importância. Fatores de segunda ordem, como a contribuição do(a) diretor(a), tinham importância moderada. Duas características foram observadas para definir se um fator tinha resultados interessantes em menos de um ano letivo (acionável): o tempo de resposta e o custo da intervenção.

A Escola

A primeira dimensão é a escola, que inclui um fator que não é acionável facilmente: a infraestrutura física fraca (falta de banheiros e salas de aula adequadas). Apesar disso, dois pontos são acionáveis. O primeiro é uma administração frágil, com diretores pouco engajados e pouco hábeis [8]. O segundo envolve materiais escolares inadequados de baixa qualidade ou em falta; jogos infantis, quadros brancos e tecnologias educacionais. Em um país onde a formação de professores é tida como deficiente em pedagogia, os livros didáticos e tecnologias educacionais podem desempenhar um papel relevante nas atividades em sala, indicando que esse é um fator importante [9].

A Família

A segunda dimensão é a família. Aqui, um ponto muito importante não é acionável: pobreza e baixo capital social. Quase 82% das famílias de estudantes brasileiros vivem com menos de R$ 2.364 por mês [10]. A falta de formação também tem importância moderada – 56% dos pais não concluíram o ensino médio [10]. Há inclusive uma forte influência do desempenho escolar da mãe na conquista inicial da alfabetização de seus filhos [11]. Infelizmente, mudar a realidade das famílias não é viável em curto prazo pensando na maioria dos gestores escolares e professores.

Outro fator moderado é o pouco envolvimento dos familiares com a vida escolar das crianças. No Brasil, 39% dos pais frequentam apenas alguns eventos escolares e 18% simplesmente não frequentam. Há também pais que se importam, mas não sabem como colaborar com a alfabetização de seus filhos. Um dado comparativo sobre essa questão é que apenas 42% dos pais lêem livros no país. Desses, 63% lêem a Bíblia. Apenas 17% deles lêem  jornais diários e 5% lêem revistas [10]. Isso demonstra que a maioria das famílias não exercita a leitura nem a linguagem escrita todos os dias. Nesse sentido, as políticas públicas poderiam incentivar os pais a lerem para seus filhos antes de ingressarem na escola, mesmo que os pais sejam analfabetos e não dominem a língua escrita [11].

O(A) Professor(a)

A terceira dimensão, o professor, inclui fatores acionáveis ​​de importância moderada: pouca consciência sobre os próprios conhecimentos [12], pouca motivação e baixa autoeficácia [13]. Em último, vêm as suas fracas abordagens de ensino, nas quais há uma enorme distância entre o que é dito e o que é visto na prática em sala de aula. Especialmente quando se fala sobre a criação de atividades que viabilizam que os(as) alunos(as) dos anos iniciais do ensino fundamental usem a escrita no seu cotidiano social (letramento). Nos anos seguintes, fica evidente que a leitura e a escrita não são parte da vida dos alunos. A razão para a dificuldade em promover hábitos de leitura entre os estudantes pode vir do estilo de vida do(a) professor(a), já que 37% deles(a) nunca lêem e 18% raramente lêem [14].

Professores(as) brasileiros(as) perdem muito tempo disciplinando estudantes, o que deixa menos tempo para o ensino em si [11]. Isso pode apontar para métodos pedagógicos falhos, mas também pode estar ligado ao baixo envolvimento das famílias no processo [10]. Outra descoberta triste foi a tendência entre os professores dos anos iniciais brasileiros de culpar a pobreza, a falta de motivação dos estudantes e o envolvimento da família como as principais razões para o baixo desempenho escolar [15]. Como já foi citado, esses fatores podem de fato contribuir para as dificuldades do(a) aluno(a), mas há educadores que usam esses argumentos para esconderem deficiências e se oporem às iniciativas de transformação das suas instituições em escolas eficazes.

O(A) Aluno(a)

Um fator acionável moderado é a falta de habilidades metacognitivas. Um treinamento específico poderia ser feito para melhorá-las na alfabetização e nos demais aprendizados [16]. O último fator é altamente significativo e acionável, que é a baixa motivação e autoeficácia do(a) aluno(a). A maioria dos(as) desistentes disse que a razão principal para terem abandonado a escola era a falta de motivação [17].

A falta de sucesso do(a) aluno(a) na alfabetização, nos anos iniciais, leva ao fracasso nas séries seguintes [6]. Além disso, filhos de famílias carentes que têm acesso a um computador em casa apresentaram maiores taxas de aproveitamento [6]. Isso quer dizer que esses(as) estudantes têm níveis mais altos de autoeficácia e motivação [18]?

Para concluir, a Tabela 1 abaixo resume todos os fatores identificados. Existem três fatores acionáveis ​​de grande importância: materiais de aprendizagem inadequados, abordagens de ensino fracas e motivação e autoeficácia inadequadas do aluno. Esses fatores podem ser atacados por gestores e educadores que estejam planejando mudanças em suas instituições e práticas de ensino-aprendizagem.

CategoriaFatorAcionávelImportância
EscolaInfraestrutura física inadequadaNãoModerada
Gestão e engajamento fracosSimModerada
Material de ensino inadequadoSimAlta
FamíliaPobreza e baixo capital socialNãoAlta
Falta de formação educacionalNãoModerada
Baixo engajamentoSimModerada
Professor(a)Fraca motivação e autoeficáciaSimModerada
Baixas habilidades metacognitivasSimModerada
Abordagens de ensino fracasSimAlta
EstudanteCapacidades metacognitivas ruinsSimModerada
Má motivação e autoeficáciaSimAlta

Referências

[1] Qedu. (2015a). Aprendizado dos alunos: Brasil. Disponível em:  http://goo.gl/R6BX3w

[2] Globo. (2012, November 26). DFTV 2ª Edição. Brasília, DF: Rede Globo. Disponível em: http://goo.gl/8n6ACD

[3] Mortatti, M. D. R. L. (2009). A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil: Contribuições para metodizar o debate. Acolhendo a alfabetização nos países de língua portuguesa, 3, 91-114.

[4] Mortatti, M. D. R. L. (2006). História dos métodos de alfabetização no Brasil. Proceedings from Seminário alfabetização e letramento em debate. Brasília, DF: MEC. Disponível em: http://goo.gl/PvNsh8

[5] Picetti, J. S., & Real, L. M. C. (2008). A relação entre os saberes comunitários e os conteúdos escolares no processo de alfabetização.Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa, 2(3), 10-23.

[6] Costa, L. O., Loureiro, A. F., & Sales, R. S. (2009). Uma análise do analfabetismo, fluxo e desempenho dos estudantes do ensino fundamental no estado do Ceará. Revista de Desenvolvimento do Ceará, 1, 169-189.

[7] Ribeiro, F. G., & Carraro, A. (2014). Tabagismo e externalidades da alfabetização no Ceará. Revista de Economia, 40(2), 150-172.

[8] Ribeiro, F. G., & Cechin, L. A. (2012). As externalidades da alfabetização podem gerar uma porta de saída de curto prazo da pobreza para os beneficiários do Bolsa Família?. Revista de Economia, 38(2), 127-148.

[9] Falsarella, A. M. (2013). O gestor escolar em meio a discursos contraditórios: Formação docente e desempenho dos alunos. Colabor@, 8(30).

[10] Saviani, D. (2009). Formação de professores: Aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, 40, 143.

[11] Ibope (2014). Atitudes pela Educação. Disponível em: http://goo.gl/OOxhLt

[12] Fuller, B., Dellagnelo, L., Strath, A., Bastos, E. S. B., Maia, M. H., de Matos, K. S. L., … & Vieira, S. L. (1999). How to raise children’s early literacy? The influence of family, teacher, and classroom in northeast Brazil. Comparative education review, 43, 1-35.

[13] Portilho, E. M. L., & Dreher, S. A. S. (2012). Categorias metacognitivas como subsídio à prática pedagógica. Educação e Pesquisa, 38(1), 181-196.

[14] Ibope (2009). A educação vista pelos olhos do professor. Disponível em: http://goo.gl/S0rtgy

[15] Qedu (2015b). Respostas dos professores. Disponível em: http://goo.gl/0EqYYH

[16] Davis, C. L. F., & Miranda, M. I. (2012). Problemas de aprendizagem na alfabetização: Contribuições da pesquisa-ação escolar. Educação e Filosofia, 26(51), 289-312.

[17] Monteiro, C. R. (2010). A aprendizagem da ortografia e o uso de estratégias metacognitivas. Cadernos de Educação, 35, 271-302.

[18] Neri, M. (2009). Motivos da evasão escolar. Brasília, DF: Fundação Getúlio Vargas.

[19] Couse, L. J., & Chen, D. W. (2010). A tablet computer for young children? Exploring its viability for early childhood education. Journal of Research on Technology in Education, 43(1), 75-96.