Artigo: Investir na educação é transformar a realidade das famílias brasileiras
Olá! No artigo de hoje, vamos discutir os investimentos em educação nos anos iniciais do ensino fundamental e quais resultados eles geram nos(as) alunos(as) ao fim do período de alfabetização (3ª série). Ele também faz parte da minha produção para o doutorado na Johns Hopkins University.
Pontos principais
Pais: o investimento na educação infantil e nos anos iniciais traz ganhos duradouros na vida da criança.
Professores: quando você desenvolve um bom trabalho de alfabetização, a vida das famílias de seus alunos de baixa renda melhora significativamente.
Gestores escolares: dedique seu tempo a fortalecer o aprendizado na educação e nos anos iniciais para melhorar a renda e a saúde das famílias de seus estudantes de baixa renda.
Quando o assunto é a educação brasileira, é preciso analisar a fundo o baixo desempenho no aprendizado de leitura e escrita na educação básica. De acordo com avaliações nacionais [1]:
- 66% dos alunos terminam o ensino fundamental sem atingir o nível mínimo desejado para língua portuguesa; e
- 85% terminam o ensino médio sem aprender o mínimo esperado de matemática.
O problema também atinge o ensino superior, que de acordo com algumas estimativas conta com 50% de estudantes analfabetos funcionais [2]. Vamos analisar alguns aspectos econômicos do ensino no Brasil.
Educação e Economia: dois lados de uma mesma moeda
Para começar, vamos olhar para os investimentos nas escolas. O governo brasileiro ampliou os gastos no ensino público nas últimas décadas. De 2005 a 2013, a despesa média por estudante do ensino fundamental aumentou em média 11% ao ano [3].
Infelizmente, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) melhorou apenas 4% ao ano durante o mesmo período [4]. Isso deixa uma série de questões em aberto. Por que a qualidade no ensino evolui menos que o investimento? Devemos destinar mais recursos à alfabetização? O que acontece quando o(a) aluno(a) começa a aprender a ler e escrever com mais facilidade? Esses resultados ocorrem de imediato ou somente quando os(as) alunos(as) ficam adultos(as)?
Pesquisadores investigaram se o baixo desempenho nos primeiros anos de alfabetização afeta diretamente a qualidade da educação básica como um todo [5]. Eles queriam saber se os alunos que não aprenderam a ler e escrever no tempo esperado reprovavam mais vezes que os outros. Estes alunos terminam ficando em turmas com colegas muito mais novos, fato chamado de “distorção de idade-série”. Esse é um problema sério na educação pública brasileira.
Em 2004, apenas 16% dos(as) alunos(as) do segundo ano do ensino fundamental estavam alfabetizados no Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil. Para tentar resolver esse problema, o governo estadual criou o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic). Após uma análise econômica com dados do Paic e outras fontes [5], pesquisadores concluíram que:
- o analfabetismo está pesadamente ligado à distorção de idade-série;
- os alunos que não atendem aos padrões esperados para a faixa etária geralmente não são brancos, são do sexo masculino e vivem em áreas rurais;
- crianças que viviam sem as mães tinham maiores chances de serem analfabetas;
- a presença do(a) aluno(a) nas aulas da educação infantil têm influência positiva no aprendizado de leitura e escrita;
- alunos(as) que moravam em casas com computadores tiveram maior aproveitamento.
Outra abordagem interessante é estudar de que forma o desempenho do(a) aluno(a) interfere na manutenção da família – por exemplo, em relação à renda familiar, alimentação e saúde familiares.
O programa Bolsa Família, por exemplo, foi objeto de um estudo [6] que concluiu que, nas famílias cujos adultos são analfabetos, o bom desempenho do(a) aluno(a) nos estudos pode aumentar a renda familiar. As famílias que tinham pelo menos um aluno alfabetizado recebiam 10,96% mais do que as famílias com crianças analfabetas.
Outra pesquisa [7] identificou que em famílias com pelo menos um membro alfabetizado, os analfabetos apresentam até 9,5% menos chance de serem fumantes, um dado relevante para a saúde pública.
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Status social, educação e família
Os primeiros anos de alfabetização de fato são críticos para o desenvolvimento do(a) aluno(a), pois afetam as próximas etapas do aprendizado [5]. Também ficou claro que os bons resultados na alfabetização estão diretamente ligados ao aproveitamento do(a) estudante na educação infantil, seu histórico familiar e a presença e participação dos pais em todo o processo.
Outro ponto interessante é que os(as) estudantes que moram em casas que possuíam computadores tiveram maiores taxas de aproveitamento [5]. Embora isso dê a entender que a tecnologia está ajudando essas crianças, também é possível que as taxas maiores ocorram porque as famílias têm um status socioeconômico mais alto e, por isso, podem comprar computadores. Os próximos passos seriam verificar se, nos dias de hoje, essas descobertas seguem verdadeiras e checar os índices do uso de computadores, celulares e tablets por crianças.
Uma ótima notícia é que as crianças alfabetizadas ajudam diretamente às famílias de baixa renda a receberem melhores salários [6]. Para essas famílias, os resultados de uma educação de qualidade acontecem a curto prazo. Aparentemente, ter alguém alfabetizado em casa permite que os trabalhadores mais pobres, com o passar dos anos, tenham melhores informações sobre as oportunidades de emprego e aprendam a negociar com seus futuros empregadores.
Um dos principais e mais curiosos avanços é a saúde da família quando um de seus membros é alfabetizado [7]. É gratificante para os(as) educadores(as) ter a confirmação de que investir nos primeiros anos de alfabetização ajuda a melhorar tanto o presente como o futuro das famílias carentes. Outro ponto a ser visto é descobrir se há uma relação entre a formação de professores, seus salários e o desempenho dos(as) alunos(as).
Seria interessante descobrir também como outros tipos de investimentos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental refletem na alfabetização dos(as) alunos(as). Por exemplo, todos os anos, o governo nacional compra aproximadamente R$ 385 milhões em livros didáticos para alunos do primeiro ao terceiro ano.
Com base em uma pesquisa feita nos Estados Unidos [8], podemos colocar a seguinte questão: qual o impacto real que esse investimento causa no aprendizado aqui no Brasil? Vale a pena investir todos estes recursos em livros? Quanto os alunos que recebem bons livros aprendem a mais?
Por fim, vale ressaltar que possuímos um ensino privado muito próspero, que representa 21% dos(as) estudantes do país, sendo a maior parte deles(as) de famílias de classe média e alta [1]. Em média, os alunos da escola particular do primeiro ao quinto ano têm desempenho 26% melhor do que os alunos das escolas públicas em avaliações externas. No ensino médio, essa diferença é de 37%. Alunos de escolas particulares estão entre os melhores nessas avaliações e frequentam as melhores universidades.
Seria interessante comparar esses dois grupos de escolas (públicas e privadas), contrastando seus recursos (por exemplo, professores, históricos familiares, infraestrutura, materiais pedagógicos e tecnologias aplicadas) e o desempenho dos alunos. Essa abordagem pode nos apontar ideias erradas que podem estar presentes na mentalidade brasileira e nos ajudar a desvendar o que precisamos fazer nas escolas públicas para garantir que toda criança possa atingir as metas de aprendizagem.
Referências
[1] Qedu. (2015). Aprendizado dos alunos: Brasil. Retrieved from http://goo.gl/R6BX3w
[2] Globo. (2012, November 26). DFTV 2ª Edição. Brasília, DF: Rede Globo. Retrieved from http://goo.gl/8n6ACD
[3] Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2015). Investimento público direto em educação por estudante em valores reais, por nível de ensino. Retrieved from: http://goo.gl/KDRc5j
[4] Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2013). Taxa de aprovação, Prova Brasil, Ideb e projeções. Retrieved from: http://goo.gl/5KJcnT
[5] Costa, L. O., Loureiro, A. F., & Sales, R. S. (2009). Uma análise do analfabetismo, fluxo e desempenho dos estudantes do ensino fundamental no estado do Ceará. Revista de Desenvolvimento do Ceará, 1, 169-189.
[6] Ribeiro, F. G., & Cechin, L. A. (2012). As Externalidades da alfabetização podem gerar uma porta de saída de curto prazo da pobreza para os beneficiários do Bolsa Família?. Revista de Economia, 38(2), 127-148.
[7] Ribeiro, F. G., & Carraro, A. (2014). Tabagismo e externalidades da alfabetização no Ceará. Revista de Economia, 40(2), 150-172.
[8] Coleman, J. S., Campbell, E. Q., Hobson, C. J., McPartland, F., Mood, A. M., Weinfeld, F. D., et al. (1966). Equality of educational opportunity. Washington, DC: U.S. Government Printing Office.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
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