A partir de hoje, vamos repercutir as principais descobertas da SSSR 2019, congresso internacional sobre estudos de leitura e escrita realizado em Toronto, no Canadá, de 17 a 20 de julho de 2019. A Escribo conferiu bem de perto as principais inovações e pesquisas sobre o tema.
E para começar, conversamos com a professora de Harvard e especialista renomada em pesquisas em alfabetização, Catherine Snow. Para ela, a família é a principal garantia de que a criança terá uma bagagem emocional e cultural rica e cheia de conhecimento. A educadora foi uma das palestrantes no SSSR. Assista a um trecho da nossa conversa no vídeo a seguir!
No próximo vídeo da professora Catherine, ela dará dicas para jovens pesquisadores que quiserem trazer novas descobertas para a área de leitura e escrita. Receba esses conteúdos em primeira mão assinando as notificações no sininho ao lado e acompanhe o Blog da Escribo. Até a próxima!
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Olá! No artigo de hoje, vamos discutir os investimentos em educação nos anos iniciais do ensino fundamental e quais resultados eles geram nos(as) alunos(as) ao fim do período de alfabetização (3ª série). Ele também faz parte da minha produção para o doutorado na Johns Hopkins University.
Pontos principais Pais: o investimento na educação infantil e nos anos iniciais traz ganhos duradouros na vida da criança. Professores: quando você desenvolve um bom trabalho de alfabetização, a vida das famílias de seus alunos de baixa renda melhora significativamente. Gestores escolares: dedique seu tempo a fortalecer o aprendizado na educação e nos anos iniciais para melhorar a renda e a saúde das famílias de seus estudantes de baixa renda.
Quando o assunto é a educação brasileira, é preciso analisar a fundo o baixo desempenho no aprendizado de leitura e escrita na educação básica. De acordo com avaliações nacionais [1]:
66% dos alunos terminam o ensino fundamental sem atingir o nível mínimo desejado para língua portuguesa; e
85% terminam o ensino médio sem aprender o mínimo esperado de matemática.
O problema também atinge o ensino superior, que de acordo com algumas estimativas conta com 50% de estudantes analfabetos funcionais [2]. Vamos analisar alguns aspectos econômicos do ensino no Brasil.
Educação e Economia: dois lados de uma mesma moeda
Para começar, vamos olhar para os investimentos nas escolas. O governo brasileiro ampliou os gastos no ensino público nas últimas décadas. De 2005 a 2013, a despesa média por estudante do ensino fundamental aumentou em média 11% ao ano [3].
Infelizmente, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) melhorou apenas 4% ao ano durante o mesmo período [4]. Isso deixa uma série de questões em aberto. Por que a qualidade no ensino evolui menos que o investimento? Devemos destinar mais recursos à alfabetização? O que acontece quando o(a) aluno(a) começa a aprender a ler e escrever com mais facilidade? Esses resultados ocorrem de imediato ou somente quando os(as) alunos(as) ficam adultos(as)?
Pesquisadores investigaram se o baixo desempenho nos primeiros anos de alfabetização afeta diretamente a qualidade da educação básica como um todo [5]. Eles queriam saber se os alunos que não aprenderam a ler e escrever no tempo esperado reprovavam mais vezes que os outros. Estes alunos terminam ficando em turmas com colegas muito mais novos, fato chamado de “distorção de idade-série”. Esse é um problema sério na educação pública brasileira.
Em 2004, apenas 16% dos(as) alunos(as) do segundo ano do ensino fundamental estavam alfabetizados no Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil. Para tentar resolver esse problema, o governo estadual criou o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic). Após uma análise econômica com dados do Paic e outras fontes [5], pesquisadores concluíram que:
o analfabetismo está pesadamente ligado à distorção de idade-série;
os alunos que não atendem aos padrões esperados para a faixa etária geralmente não são brancos, são do sexo masculino e vivem em áreas rurais;
crianças que viviam sem as mães tinham maiores chances de serem analfabetas;
a presença do(a) aluno(a) nas aulas da educação infantil têm influência positiva no aprendizado de leitura e escrita;
alunos(as) que moravam em casas com computadores tiveram maior aproveitamento.
Outra abordagem interessante é estudar de que forma o desempenho do(a) aluno(a) interfere na manutenção da família – por exemplo, em relação à renda familiar, alimentação e saúde familiares.
O programa Bolsa Família, por exemplo, foi objeto de um estudo [6] que concluiu que, nas famílias cujos adultos são analfabetos, o bom desempenho do(a) aluno(a) nos estudos pode aumentar a renda familiar. As famílias que tinham pelo menos um aluno alfabetizado recebiam 10,96% mais do que as famílias com crianças analfabetas.
Outra pesquisa [7] identificou que em famílias com pelo menos um membro alfabetizado, os analfabetos apresentam até 9,5% menos chance de serem fumantes, um dado relevante para a saúde pública.
Os primeiros anos de alfabetização de fato são críticos para o desenvolvimento do(a) aluno(a), pois afetam as próximas etapas do aprendizado [5]. Também ficou claro que os bons resultados na alfabetização estão diretamente ligados ao aproveitamento do(a) estudante na educação infantil, seu histórico familiar e a presença e participação dos pais em todo o processo.
Outro ponto interessante é que os(as) estudantes que moram em casas que possuíam computadores tiveram maiores taxas de aproveitamento [5]. Embora isso dê a entender que a tecnologia está ajudando essas crianças, também é possível que as taxas maiores ocorram porque as famílias têm um status socioeconômico mais alto e, por isso, podem comprar computadores. Os próximos passos seriam verificar se, nos dias de hoje, essas descobertas seguem verdadeiras e checar os índices do uso de computadores, celulares e tablets por crianças.
Uma ótima notícia é que as crianças alfabetizadas ajudam diretamente às famílias de baixa renda a receberem melhores salários [6]. Para essas famílias, os resultados de uma educação de qualidade acontecem a curto prazo. Aparentemente, ter alguém alfabetizado em casa permite que os trabalhadores mais pobres, com o passar dos anos, tenham melhores informações sobre as oportunidades de emprego e aprendam a negociar com seus futuros empregadores.
Um dos principais e mais curiosos avanços é a saúde da família quando um de seus membros é alfabetizado [7]. É gratificante para os(as) educadores(as) ter a confirmação de que investir nos primeiros anos de alfabetização ajuda a melhorar tanto o presente como o futuro das famílias carentes. Outro ponto a ser visto é descobrir se há uma relação entre a formação de professores, seus salários e o desempenho dos(as) alunos(as).
Seria interessante descobrir também como outros tipos de investimentos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental refletem na alfabetização dos(as) alunos(as). Por exemplo, todos os anos, o governo nacional compra aproximadamente R$ 385 milhões em livros didáticos para alunos do primeiro ao terceiro ano.
Com base em uma pesquisa feita nos Estados Unidos [8], podemos colocar a seguinte questão: qual o impacto real que esse investimento causa no aprendizado aqui no Brasil? Vale a pena investir todos estes recursos em livros? Quanto os alunos que recebem bons livros aprendem a mais?
Por fim, vale ressaltar que possuímos um ensino privado muito próspero, que representa 21% dos(as) estudantes do país, sendo a maior parte deles(as) de famílias de classe média e alta [1]. Em média, os alunos da escola particular do primeiro ao quinto ano têm desempenho 26% melhor do que os alunos das escolas públicas em avaliações externas. No ensino médio, essa diferença é de 37%. Alunos de escolas particulares estão entre os melhores nessas avaliações e frequentam as melhores universidades.
Seria interessante comparar esses dois grupos de escolas (públicas e privadas), contrastando seus recursos (por exemplo, professores, históricos familiares, infraestrutura, materiais pedagógicos e tecnologias aplicadas) e o desempenho dos alunos. Essa abordagem pode nos apontar ideias erradas que podem estar presentes na mentalidade brasileira e nos ajudar a desvendar o que precisamos fazer nas escolas públicas para garantir que toda criança possa atingir as metas de aprendizagem.
Referências
[1] Qedu. (2015). Aprendizado dos alunos: Brasil. Retrieved from http://goo.gl/R6BX3w
[2] Globo. (2012, November 26). DFTV 2ª Edição. Brasília, DF: Rede Globo. Retrieved from http://goo.gl/8n6ACD
[3] Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2015). Investimento público direto em educação por estudante em valores reais, por nível de ensino. Retrieved from: http://goo.gl/KDRc5j
[4] Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2013). Taxa de aprovação, Prova Brasil, Ideb e projeções. Retrieved from: http://goo.gl/5KJcnT
[5] Costa, L. O., Loureiro, A. F., & Sales, R. S. (2009). Uma análise do analfabetismo, fluxo e desempenho dos estudantes do ensino fundamental no estado do Ceará. Revista de Desenvolvimento do Ceará, 1, 169-189.
[6] Ribeiro, F. G., & Cechin, L. A. (2012). As Externalidades da alfabetização podem gerar uma porta de saída de curto prazo da pobreza para os beneficiários do Bolsa Família?. Revista de Economia, 38(2), 127-148.
[7] Ribeiro, F. G., & Carraro, A. (2014). Tabagismo e externalidades da alfabetização no Ceará. Revista de Economia, 40(2), 150-172.
[8] Coleman, J. S., Campbell, E. Q., Hobson, C. J., McPartland, F., Mood, A. M., Weinfeld, F. D., et al. (1966). Equality of educational opportunity. Washington, DC: U.S. Government Printing Office.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Você acompanhou nossos textos publicados ao longo do ano?
Nós da Escribo fizemos uma seleção das melhores leituras para educadores no nosso site. A seleção levou em conta justamente os maiores interessados em nossas matérias: elencamos os 5 posts mais acessados por professores e gestores em 2015.
Ficou sem tempo, perdeu algum texto?
É só continuar lendo para conhecer os assuntos que mais chamaram atenção dos nossos leitores por aqui.
Pesquisas sobre o desenvolvimento do aluno, dicas para melhorar o ambiente escolar e estratégias de ensino integraram o rol de conteúdos que mais interessaram educadores no último ano.
A seguir nosso top 5:
5º– 5 Dicas Para Lidar Com Crianças Indisciplinadas
Como você se relaciona com alunos difíceis? Já pensou em se reconectar com eles? Esse foi o tema do 5º post mais acessado desse ano.
Ainda que o chamado aluno difícil seja apenas uma criança à mercê de emoções que não podem controlar ou entender, pode ser complicado para um professor manter a calma e não levar as ofensas e o comportamento para o lado pessoal.
4º– 7 características de uma sala de aula produtiva
Você considera suas aulas proveitosas?
Professores devem encarar suas salas de aula como templos de efervescência intelectual. É lá onde seus alunos aprenderão diversos valores e conteúdos importantes para seus respectivos futuros em desenvolvimento.
Assim, é importante garantir que aquele ambiente seja de fato um catalisador do aprendizado.
O educador Terry Heick resolveu listar todas as características de uma sala de aula producente, que produz resultados efetivos de um bom aprendizado. Você pode clicar aqui para conferir.
3º – Sua Escola Tem Professores ou Babás? Como Fortalecer os Educadores da Educação Infantil
É comum professores do ensino infantil reclamarem de ter seus trabalhos confundidos com o papel de babá.
Os pais querem educadores que acolham seus filhos, os compreendam sempre e tenham absoluta responsabilidade sobre o nível de aprendizado e desempenho escolar deles.
Mas como afinal exercer seu real papel de educador, garantir o engajamento entre os alunos e manter pais satisfeitos? Você pode clicar aqui para conferir.
2º– Aprender a escrever à mão ainda é essencial para o desenvolvimento, diz pesquisa
Na era digital, todos sabemos que é de bom senso ter a destreza no teclado e a alfabetização digital também já é presente na maioria das escolas.
Mas, por mais avançada que seja a tecnologia, desenvolver habilidades de digitação na primeira infância não substitui aalfabetização escrita.
É o que diz a neurocientista cognitiva Karin James, que realizou uma pesquisa com crianças que ainda não sabiam escrever, mas sabiam identificar letras. Os resultados da pesquisa estão no nosso segundo texto mais acessado no ano, e você pode conferir aqui.
1º– 4 Estratégias para Trabalhar a Motivação na Sala de Aula
Quais estratégias você usa para manter a motivação dos alunos?
O artigo mais acessado do ano vem da preocupação dos professores em manter o interesse dos alunos em sala de aula.
Um estudo realizado por docentes da Bucknell University, na Pensilvânia, defende que estimular a autonomia dos alunos na sala de aula pode ser ainda mais efetivo do que tentar controlar tudo ao redor. Os detalhes você confere aqui.
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Você já tinha lido algum desses textos?
Sentiu falta de algum outro que deveria estar integrando essa lista?
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
A educação brasileira ainda passa por desafios longe de serem solucionados. A desvalorização dos professores e alta evasão de alunos ainda na educação básica são exemplos de alguns dos sintomas de um sistema fraco, cujos poucos avanços nem mesmo os índices conseguem disfarçar.
O analfabetismo hoje
De acordo com a última pesquisa divulgada pela IBGE, o índice de analfabetismo caiu de 8,7%, em 2012, para 8,5% em 2013. O resultado, fruto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), considera o índice de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever.
Apesar de ligeira melhora, os resultados não podem ser comemorados quando comparados as pesquisas mais recentes realizadas na educação básica dos colégios brasileiros.
Segundo resultados obtidos através da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) de 2014, 56,17% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de 20 estados apresentou desempenho fraco em leituras.
O 3º ano foi escolhido como marca por ser um divisor de águas: de acordo com o MEC, nessa fase escolar as crianças já teriam bagagem suficiente para ler e escrever adequadamente.
Aos 8 anos de idade, mais da metade dos estudantes brasileiros atingiram os níveis mais baixos de avaliação (que varia de 1 a 4), o que significa que são capazes apenas de ler textos muito simples e, em alguns casos, não conseguem entender sobre o que ele trata.
Num panorama geral o resultado mostra que a cada 100 alunos, 22 não possuem sequer o nível mínimo (1) de leitura; na prática, significa que não conseguem ler uma frase inteira.
Analfabetos funcionais
A falta de progresso foi tão alarmante que comprometeu a aplicação do estudo: com a iminência de repetição dos maus resultados o Ministro da Educação suspendeu a aplicação do exame nacional de alfabetização em 2015.
A incoerência nos dados entre o PNAD e ANA forma um alerta imenso para a educação brasileira: estamos formando apenas analfabetos funcionais.
Como o PNAD avalia apenas o simples ato de ler ou escrever, já que seu sistema funciona por um formulário de perguntas respondido por um integrante do domicilio, ele desconsidera graus de desempenho nessas atividades.
Por outro lado, o ANA traça um panorama mais completo: é possível identificar os níveis de leitura ou escrita de cada aluno em particular. E com índices tão baixos alcançados, o futuro dessas crianças fica comprometido e limitado por uma alfabetização extremamente básica, quase rudimentar.
O Plano Nacional da Educação (PNE) lançado em 2014 que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos, contempla a universalização da alfabetização em sua Meta 5, prevendo que todas as crianças do país devem estar alfabetizadas, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental, até 2024.
As negligências e dificuldades de implementação, porém, já tiveram início: passado um ano desde sua aprovação, nem todos os planos estaduais nem os municipais de educação tiveram lei aprovada e sancionada. Além disso, o corte de R$ 9,42 bilhões na verba do Ministério da Educação acentua ainda mais a dimensão do problema.
As soluções possíveis
O caminho para a melhora da alfabetização no país em teoria também é contemplada por algumas iniciativas do PNE, é preciso:
1. Estabelecer uma política de valorização dos profissionais da educação, com salários atrativos e condições de trabalho adequadas, além de oportunidades de crescimento.
2. Garantir suporte educacional ao aluno, uma vez que os professores estejam de fato engajados e dotados de condições para ministrar as aulas. Isso quer dizer o acesso pleno a escola, uma base pedagógica de qualidade, além da articulação com espaços educativos, culturais e esportivos, revitalizando os projetos pedagógicos nessa direção.
3. Uso da alavanca tecnológica para influenciar na otimização das aulas. Embora não explorada pelo PNE essa última dimensão poderia causar um impacto muito positivo no rendimento dos alunos rumo à alfabetização plena. Não quer dizer disponibilizar tablets ou computadores aleatoriamente, mas oferecer material didático interativo, dinâmico e com instrumentos de avaliação estruturados.
A redução da taxa de analfabetismo impacta diretamente o desenvolvimento do país e é um dos grandes desafios enfrentados pela educação brasileira hoje.
Não se trata de maquiar ou minimizar os índices nem mesmo utilizar-se de medidas paliativas. Refere-se, porém, ao impulsionamento da qualidadepedagógica de nossas escolas, provocando sensíveis mudanças em nosso sistema educacional. O objetivo é garantir, assim, melhores perspectivas e oportunidades aos alunos desde o ensino básico.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
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