Artigo: Escrever, desenhar e brincar, fontes indispensáveis de aprendizado

Artigo: Escrever, desenhar e brincar, fontes indispensáveis de aprendizado

Quando as crianças brincam, elas exercitam a criatividade, a capacidade de desenhar e têm convívio social com outras crianças, fatores indispensáveis no aprendizado da fala e de leitura e escrita. É sobre essas temáticas que tratamos neste novo artigo, também parte do meu doutorado na Johns Hopkins University.

Pontos principais

Pais: sempre estimulem os(as) filhos(as) a brincar com outras crianças. É através das brincadeiras que os pequenos desenvolvem a imaginação e avançam no aprendizado.
Professores:
aulas com atividades em dupla ou brincadeiras em grupo incentivam a socialização entre as crianças, melhorando o processo de alfabetização.
Gestores escolares:
é importante que o ensino da linguagem escrita tenha um propósito: brincar, desenhar, conversar/socializar devem estar alinhados aos objetivos do aprendizado de leitura e escrita.

As teorias socioculturais começaram a surgir com os trabalhos do psicólogo russo Vygotsky [1]. Naquela época, eram populares as abordagens de estímulo-resposta e as teorias Gestalt. Embora seja comum rotular o trabalho de Vygotsky como construtivista, ele era diferente de outros estudiosos desse campo, como o pensador suíço Jean Piaget. Vygotsky argumentava que a convivência social tinha uma função essencial no desenvolvimento humano [2].

Essas interações começam cedo e culminam no desenvolvimento da linguagem, ferramenta que usamos inicialmente para nos comunicarmos e que evolui para se tornar uma parte vital do raciocínio humano [1]. Ao dominar a fala, as crianças assumem o controle sobre suas ações, criam alternativas para resolver um problema e podem planejar o futuro [1].

Nesse sentido, Vygotsky chegou ao conceito da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que afirma que a capacidade de uma pessoa para resolver um problema aumenta quando é auxiliada por um colega mais capaz ou por um instrutor [1]. Com algumas interações, o(a) aluno(a) será capaz de realizar a tarefa sozinho(a) e o(a) professor(a) poderá focar nos próximos desafios de aprendizado. Leia mais sobre a zona de desenvolvimento proximal neste artigo.

Dentro deste contexto de promoção de interações, é indispensável destacar a importância do brincar na educação infantil. Nesta etapa, a criança começa a desejar coisas que não pode alcançar [1] como pilotar um avião, e é neste momento que as crianças começam a desenvolver a imaginação. É através das brincadeiras que a criança consegue realizar muitos de seus desejos (ex: levar seus amigos da escola para um voo cheio de acrobacias, por exemplo!) [1]. De acordo com Vygotsky, quando as crianças brincam, elas vivenciam uma zona de desenvolvimento proximal, onde realizam ações que vão além do esperado para suas idades e avançam, portanto, no seu desenvolvimento.

O desenvolvimento da linguagem escrita

Um dos pontos mais interessantes do trabalho de Vygotsky em relação à alfabetização é ​​o que ele afirma sobre a linguagem escrita. Para ele, o desenvolvimento dessa habilidade começa quando a criança passa a usar gestos manuais (apontar e tocar) para representar os sinais visuais (por exemplo, o objeto que ela está olhando e deseja tocar) [1].

Isso se desenvolve até a criança começar a desenhar, quando elas usam esses gestos para fazer rabiscos. Mais do que um rabisco consciente, o desenho no início da educação infantil é uma forma natural de registrar no papel o que as crianças comunicam com seus gestos [1].

O desenvolvimento do simbolismo é outro aspecto importante do aprendizado da linguagem escrita. O simbolismo é bastante presente quando a criança está brincando, quando muitas vezes atribui um outro significado a um objeto [1]. Por exemplo, um pequeno bloco de papel pode se tornar um avião quando a criança o usa para jogar como se fosse um avião. A mesma ligação simbólica pode ser feita com muitos outros objetos (por exemplo, um controle remoto, um telefone celular) se eles servem ao propósito de se mover como um avião de brinquedo – inclusive, não é necessário haver semelhança com uma aeronave real.

A representação simbólica então surge com o desenho na educação infantil, quando a criança começa a traduzir seu discurso verbal (o que fala) em discurso gráfico (o que desenha) [1]. Esse processo evolui e chega ao desenvolvimento da escrita simbólica. Após a fase de três a quatro anos de idade, a maioria das crianças conseguirá usar símbolos escritos e então atribuir palavras ou frases para ações (por exemplo, repetir frases maiores do que esperamos que elas  consigam memorizar).

Por isso é importante o ensino da linguagem escrita na educação infantil, mas esse ensino precisa ser organizado de forma que a leitura e a escrita tenham um propósito [1], criando oportunidades para nossos filhos se tornarem letrados, incentivando-os a socializar e usar a linguagem de forma real e relevante.

Leia mais

Artigo: desigualdade social, alfabetização, letramento e a importância da avaliação nacional de alfabetização.

Alfabetização nas escolas brasileiras

A maioria dos estudantes das escolas brasileiras, da primeira à terceira série, não aprende o mínimo necessário em leitura e escrita [4]. Uma visão sociocultural pode nos fornecer diversos insights sobre os fatores que contribuem para este baixo nível de aprendizado no ambiente escolar. Podemos começar pensando sobre o desenvolvimento da fala nos primeiros anos da infância.

Para Vygotsky, a criança desenvolve a fala por meio das vivências sociais já nos primeiros anos de vida. O Brasil ainda é um país em desenvolvimento, e as famílias carentes geralmente não possuem os meios adequados para criar seus filhos. Por exemplo, apenas 20,8% das crianças brasileiras estão em creches [5]. A maioria das famílias tem que deixar as crianças com vizinhos ou familiares, e essas pessoas podem não interagir com a criança de forma adequada – ou por terem poucos recursos ou simplesmente não saberem o que fazer para fortalecer o desenvolvimento das crianças.

Por isso, muitas crianças passam menos tempo em sua zona de desenvolvimento proximal, atrasando seu progresso. Passam muito tempo em frente à TV quando deveriam interagir com amigos e adultos, brincar de “faz de conta” e desenhar para desenvolver os discursos orais e gráficos, processos fundamentais ao aprender a linguagem escrita. Essas crianças provavelmente chegam menos desenvolvidas do que poderiam estar quando começam a estudar.

Na educação infantil a criança ainda enxerga o aprendizado como algo divertido mas, infelizmente, ao chegar no primeiro ano do ensino fundamental muitos alunos reclamam que a escola se torna chata. Isso provavelmente acontece porque o aprendizado de leitura e escrita, em muitas escolas brasileiras, ainda usa um processo mecânico que se concentra na codificação e decodificação de símbolos escritos [6]. Parece que os professores não aplicam a dica dada por Vygotsky: permitir que as crianças interajam e se engajem em tarefas sociais enquanto aprendem a ler e escrever.

Isso pode acontecer porque, no Brasil, a maioria graduações voltadas à Educação se concentra no modelo de conteúdo, que enfatiza um histórico cultural geral e a disciplina que o(a) graduando(a) irá ensinar quando se formar. Isso deixa uma grande lacuna, uma vez que a pedagogia, quando ensinada, é apresentada de uma maneira abstrata, sem experiências reais em sala de aula [7].

Aparentemente, a falta de formação pedagógica adequada está entre as principais causas da falta de engajamento do estudante com a escola, que começa a se manifestar nos anos iniciais do ensino fundamental. De acordo com a perspectiva sociocultural, a escrita deve ser ensinada naturalmente; os educadores têm de fornecer meios para as crianças descobrirem, enquanto brincam, que a leitura e a escrita são necessárias. Quando isso acontece, elas geralmente se envolvem no aprendizado.

No entanto, é injusto não lembrar que, durante os anos iniciais, os pais e o sistema educacional brasileiro como um todo esperam que os professores apliquem provas formais, dentro do sistema de notas (de 0 a 10). Como a maioria dos pais e gestores se atém apenas às notas, o nível de aprendizado e de riqueza da linguagem escrita dos alunos pode acabar ficando de lado. Apesar disso, esse aprendizado precisa ser o objetivo principal do ensino.

Nossa visão, alicerçada em Vygotsky, é de que devemos buscar uma educação mais engajante e que promova o desenvolvimento da linguagem oral e escrita rica . Tal busca deve iniciar na educação infantil com o ensino lúdico, porém sistemático, das habilidades que levam a leitura e a escrita.

Referências

[1] Vygotsky, L. S. (1980). Mind in society: The development of higher psychological processes.Cambridge, MA: Harvard University Press.

[2] Ernest, P. (2010). Reflections on theories of learning. In B. Sriraman, & L. English (Eds.), Theories of Mathematics Education(pp. 39-48). New York, NY: Springer.

[3] Soares, M. (1998). Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte, MG: Autêntica.

[4] Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2013). Avaliação Nacional da Alfabetização. Retrieved from:http://goo.gl/wzjpiF

[5] Ibope. (2013). Primeiríssima infância: Da gestação aos três anos. Retrieved from: http://goo.gl/u9YpVM

[6] Mortatti, M. D. R. L. (2000). Cartilha de alfabetização e cultura escolar: Um pacto secular.Caderno Cedes, 52, 41-54.

[7] Tanuri, L. M. (2000). História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, 14, 61-88.

Jogos de simulação melhoram a aprendizagem de ciências

Jogos de simulação melhoram a aprendizagem de ciências

Aqui na Escribo, nós nunca duvidamos do potencial das crianças. Uma pesquisa que ainda vai ser publicada identificou que crianças de cinco anos que usaram jogos de simulação nas aulas aprenderam conceitos de ciência com mais facilidade.

Pontos principais

Pais: jogos de simulação podem ajudar seu filho a desenvolver o senso crítico, a capacidade de observar, a seguir etapas e o processo de experimentação.

Gestores: as famílias valorizam atividades educativas que despertem a criatividade e trabalhem o conhecimento na prática, como as que são feitas nos simuladores. Eles ajudam a dar visibilidade para a educação inovadora da escola.

Professores: com os aplicativos educativos de simulação, as crianças tiveram mais facilidade para tirar dúvidas, fazer sugestões e aprender o conhecimento científico. Portanto, essa aprendizagem significativa tende a fortalecer o interesse, o foco e a curiosidade dos estudantes.

O objetivo do estudo era entender de que formas os simuladores poderiam fortalecer o aprendizado do conhecimento científico. Além disso, os pesquisadores também queriam saber se os simuladores estimulavam habilidades importantes como a capacidade de reflexão e o domínio de conceitos abstratos.

Como foi feita a pesquisa

Três professoras acompanharam 38 crianças durante quatro semanas. Em pares, as crianças se divertiram com jogos de simulação que propunham desafios sobre circuitos elétricos (ex: em série, paralelos, correntes e resistência).

Além do desempenho nas tarefas, o estudo também considerou os comentários feitos pelas crianças sobre as atividades propostas – se elas gastavam mais tempo descrevendo o que faziam, refletindo sobre a tarefa ou fazendo experiências e exercitando a criatividade.

Leia mais
Tecnologia e ensino de qualidade precisam andar juntos, segundo pesquisa

Principais resultados

Os pesquisadores descobriram que as crianças aprenderam com mais facilidade porque puderam observar, experimentar na prática e refletir sobre as similaridades e diferenças entre as várias tarefas que foram desenvolvidas nos simuladores. Para saber mais, acesse o artigo científico.

Esta pesquisa é importante porque demonstra como os jogos e simuladores fortalecem o aprendizado. Ao mostrar que as crianças observam, experimentam e refletem sobre o que fazem dentro dos jogos, a pesquisa desconstrói a ideia de que as crianças, ao jogar, apenas praticam o simples “erro e acerto”.

Ou seja, o feedback que é oferecido pelos jogos de simulação é capaz de desencadear processos metacognitivos. Em outras palavras, o estudante progressivamente torna-se mais capaz de entender como ele próprio aprende, ganhando autonomia para liderar o seu próprio desenvolvimento.

Aqui no blog da Escribo sempre publicamos conteúdos relevantes sobre inovações educacionais. Então, não deixe de nos acompanhar!

Até a próxima!