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Artigo publicado no dia 15 de novembro de 2014 na coluna “Secret Teacher”, no setor de educação do jornal The Guardian. Traduzido pela Escribo.
“O dia começou como outro qualquer. Cheguei na escola um pouco depois de 7:30 da manhã, fiz uma xícara de chá, troquei algumas palavras com o pessoal que estava na sala dos professores e saí em direção à minha sala de aula, onde liguei o computador e comecei a checagem matinal dos meus emails – deleta isso, arquiva aquilo, imprime isso, encaminha aquilo – quando uma mensagem em particular chamou a minha atenção. Era de um pai de aluno, e a mensagem havia chegado em minha caixa de entrada às 23h50 da noite anterior.
O email dizia: “Que tipo de professor você acha que é? Acabei de colocar o Joe na cama pela décima vez. Ele está constantemente acordando de pesadelos, gritando, e diz que é porque não consegue resolver a questão nº 3 do dever de casa de matemática. Não posso fazer nada com ele. Não estou dormindo também. Você realmente deveria fazer algo à respeito do seu pobre ensino.”
Formulei uma nota mental para falar sobre a tarefa do Joe com ele mais tarde naquele mesmo dia e apertei em “responder” no email, para lembrar e deixar claro ao “Pai Pesadelo” que o prazo para entregar a tarefa ainda tinha três dias, e que tínhamos um clube de apoio para tarefas de casa na hora do almoço, para ajudar com as dificuldades. Mas antes que eu pudesse construir aquele email, a guarda da escola apareceu, frustrada, em minha porta, dizendo que o “Pai Pesadelo” estava lá, na recepção, irritado e exigindo falar com alguém responsável devido ao fato de um email vital para o bem estar do seu filho ter sido ignorado.
Ele estava sendo abusivo: antes da guarda terminar de falar, o pai entrou em minha sala, pois havia decidido que não lhe agradava a ideia de esperar para ver se eu estava disponível para falar com ele. Ele estava certamente irritado, aparentemente porque ainda não havia recebido resposta de um email enviado às vésperas da meia noite do dia anterior. Ora, tentei argumentar que abri o email logo no início da manhã e que falaria com o seu filho Joe sobre a tarefa naquele mesmo dia, mas ele não via razão para a sua “não resposta”. Ele tinha determinado para si que tinha o direito de receber uma resposta na hora em que lhe fosse conveniente – não era mais sobre o problema do seu filho. A confusão era sobre o pai ter sido “ignorado”.
Ignorado assim como minha necessidade de sono, de arrumar meus próprios filhos e levá-los à escola, ou de iniciar meu dia normalmente com mais 34 crianças em sala de aula. Isso não importava pro “Pai Pesadelo”, que saiu da escola exaltado e proferindo xingamentos contra mim, prometendo que iria levar aquilo aos meus superiores e às autoridades locais, como a Secretaria de Educação, expondo todo o caso no meio da escola – em frente à grupos de pessoas como pais, alunos e funcionários, comprometendo minhas próprias consequências.
Essse tipo de comportamento absurdo do “Pai Pesadelo” é, felizmente, raro, e pelo menos proveu algumas risadas na sala dos professores depois que a poeira baixou. Eu passei por experiências suficientes na vida para entender que é preciso ignorar o escárnio direcionado à minha competência e tenho confiança suficiente dos outros pais para com o meu trabalho, então não me chateei com o que ele disse para mim em pleno corredor da escola. Era um caso isolado e particularmente agressivo, conhecido também por perturbar pais dos colegas do seu filho, alegando que Joe estaria sendo perseguido por eles. Mas essa história me deixou com uma sensação de frustração, pois enquanto eu fazia de tudo pelo seu filho, ele estava focando em expectativas altamente irrealistas que colocou em mim como professora.
Isso me levou a pensar se não estaria na hora de discutir com os pais o que significa respeito, pais esses que sempre estão muito cientes de seus direitos, mas nunca se preocupam em serem corteses e compreensivos com a realidade do professor. Mesmo que exista uma boa relação com respeito e parceria entre você e os pais dos seus alunos, ocasionalmente aparecerão pessoas arrogantes que, por terem ido à escola, acham que entender mais do que você sobre ensinar. Acontece também desses pais descontarem nos professores quando têm dias ruins no trabalho. Manter a comunicação entre pais e mestres sadia e aberta pode ser bastante frustrante num mundo com tantos “Pais Pesadelo”.
E o que dizer dos alunos, que mais sofrem no meio desse processo? O momento mais triste do dia não foi ouvir as atrocidades do “Pai Pesadelo”, e sim quando vi seu filho Joe entrando na sala assustado e muito triste. Só tive tempo de dizer, “Vamos dar uma olhada nos deveres de casa de matemática mais tarde?” antes que ele se desmanchasse em lágrimas e soluços, implorando que eu fizesse seu pai parar de ficar irritado quando ele não entende a tarefa. Isso diz bastante.
Conversei com Joe sobre a tarefa e ele me disse que parecia entender as coisas em sala, mas quando tentava replicar o aprendizado em casa, descobria que não conseguia. Mas o problema maior eram as expectativas dos pais em cima dele. Joe não estava preocupado com a tarefa, ele sabe que poderia pedir minha ajuda na escola. O que o preocupava eram as reações do seu pai, que claramente tinha expectativas nada realistas para uma criança de 10 anos – e não fazia ideia de como é o processo de aprendizado das crianças.
Então fizemos o que podíamos: convidamos o pai para conversar sobre as tarefas de casa, uma conversa que começou com “fique calmo” e “por favor, sem lágrimas”, e então falamos sobre como era produtivo o contato da escola com os pais para auxiliar o aprendizado. Enquanto ele apaziguava seu comportamento, uma coisa ficou clara pra mim: o que estava lhe desapontando, de verdade, era perceber que seu filho não era o gênio da matemática que ele tanto esperava que fosse.
Em suma, um apelo para os pais: por favor, confie em nós. Sabemos o que estamos fazendo – confie na escola, confie em nós suas expectativas de que seu filho irá aprender. Confie em nós e não deixe de se comunicar clara e abertamente, porque o processo de ensino e aprendizado são intimamente ligados e isso é muito importante. Mas por favor, lembre-se também somos pessoas. Somos seres humanos que como vocês, temos famílias. Precisamos de tempo para descansar. E acima de tudo, merecemos ser tratados com o mesmo respeito e cortesia com o qual tratamos vocês – afinal, o respeito é uma vida de mão dupla.”
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Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
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