Primeiro conto da série A escola, como ela será.

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A professora entrou na sala da coordenadora e disse rispidamente: eu não vou levar minha turma no mesmo ônibus daquela!

O segundo semestre acabara de começar, e a coordenadora logo percebeu que a professora veterana não simpatizou com a jovem que tinha sido contratada para substituir uma professora que havia passado num concurso. Ela não tinha certeza, mas achava que sabia por que a veterana não tinha ido com a cara da novata.

E a professora continuou vociferando: Coloque minha turma no outro ônibus logo, senão eu vou faltar amanhã! Eu adoro o museu da ciência, mas eu não vou com ela!!

A coordenadora, com um sorriso no rosto, fez o procedimento padrão para quando alguma professora ou criança se descompensava: Vamos comigo: cheira a florzinha e sopra a velinha. A professora fez cara feia, mas terminou obedecendo e depois de repetir junto com a coordenadora 3 vezes, sentou-se, mas continuou falando.

Não aguento olhar para ela. Sinto nojo e raiva. Não entendo como você concordou com isso. Não podemos aceitar qualquer coisa que vem da direção! Temos que lutar!

A coordenadora ouviu, e disse calmamente que a professora novata tinha sido a melhor na seleção. Possuía um conhecimento excelente sobre pedagogia baseada em evidências, dominando as técnicas de ensino mais eficazes. Trabalhou em escolas de ponta. Morou em outro país, o que seria um grande diferencial para o bilíngue.

A professora rebateu, dizendo que a simples presença daquele tipo de professora ia de encontro a filosofia das fundadoras da escola. E que não colocaria suas crianças em risco, indo no mesmo ônibus que a turma da novata.

A coordenadora disse que isso era a imaginação  fértil da professora, ou sua leve tendencia a ter ansiedade. E explicou que não tinha como mudar a organização dos ônibus, pois a quantidade de alunos nas turmas da novata e da veterana era a única que batia. Se separassem, teriam que contratar um terceiro ônibus, e ninguém iria aceitar esse gasto extra.

A professora pareceu resignada, mas depois de 2 segundos o rosto mudou, ela levantou-se e disse: Vou chegar cedo com meus alunos, vou colocar eles no fundo do ônibus e ficarei lá. Não quero chegar perto dela.

No dia seguinte, aprofessora veterana ajudou cada um dos pequenininhos a subir os degraus altos e os acomodou lá no fundo. Sentou-se na última fileira e logo depois a outra turma começou a chegar. Ela viu a novata de longe, e logo desviou o olhar.

Durante a viagem no trânsito pesado da cidade, a novata andava pelo ônibus, cantava com as crianças e fazia cafunés naquelas cabecinhas lindas. O trajeto passava rápido para eles. Mas lá atrás, a veterana ficou grudada na sua cadeira, pensando numa ideia que tinha tido para mostrar a todos o absurdo que tinha sido aquela contratação.

A rua do museu estava lotada com ônibus de outras escolas. Então o motorista teve que estacionar numa lateral, que era bem larga, mas tinha muros que pareciam uma fortaleza de cada lado e iam até a esquina.

Duas quadras antes, um motor roncava. O motorista de aplicativo estava quase atrasado para uma consulta médica, e não poderia perder pois aquela dor de cabeça não passava, mesmo quando ele tomava o remédio.

Quando o ônibus estacionou, a assistente da coordenadora desembarcou primeiro, ajudando as crianças a descerem e formarem a filinha. A professora novata foi atrás, segurando a mão da última criança da turma dela. E depois seguiram as crianças da professora antiga, que ficou por último.

Quando todas as crianças tinham desembarcado, a novata as preparou para atravessar. Era lindo ver aqueles pequeninhos de mãos dadas. A novata olhou para os dois lados, não havia nada vindo. Mas a visibilidade do cruzamento não era boa, por conta dos muros enormes. Ela pediu silêncio as crianças e não escutou nenhum ruído. Ela tinha uma ótima audição.

Vamos lá meninos, no três a gente atravessa. Um, dois, três. E todos deram o primeiro passo ao mesmo tempo. Enquanto isso, a professora veterana, lá atrás, gritou para a assistente de coordenação organizar a frente da fila. A assistente não escutou, ela estava abestalhada olhando a cena bonitinha dos meninos atravessando.

A veterana gritou novamente: acorda maria! Organiza a fila da minha turma! A assistente saiu daquele transe contemplativo e virou-se à esquerda para ver o que a professora queria.

E foi nesse instante em que Paulinho passou pelo lado direito. O menino queria ir junto com um amigo que tinha feito na outra turma e começou a atravessar a rua.

O motorista de app recebeu uma notificação no mapa, sugerindo uma nova rota, e quando viu, estava bem em cima da esquina. Ele puxou o freio de mão e virou com tudo.

Lá atrás, a professora experiente viu Paulinho atravessando. O grito passou pela garganta dela ao mesmo tempo que os pneus do carro cantaram e fritaram  o asfalto, igualzinho o que acontece nas curvas das corridas de fórmula 1.

As pernas da veterana se movimentaram automaticamente, numa velocidade que ela nunca tinha experimentado antes. Mas ela tinha saído do fim da fila… La na frente, duas meninas mais atentas perceberam o que iria acontecer e gritaram.

No mesmo segundo os pneus vociferaram e soltaram mais fumaça do que um dragão. Mas não foi o suficiente. A professora veterana ainda estava no meio da fila quando escutou a colisão. Para ela, foi tão alto quanto uma explosão.

O motorista ficou desorientado durante uns segundos. E depois, instintivamente começou a tirar o airbag do rosto, soltou o cinto, e ao sair do carro, caiu sem equilíbrio.

A professora veterana foi a primeira que chegou na frente do carro. E desabou a chorar. Mas não era sentimento da mãe que perde um filho, era outra coisa.

A ambulância do museu chegou em menos de 3 minutos. Mas não havia o que fazer. Aquele era um assunto para outra viatura. Enquanto isso, as professoras levaram todas as crianças para o auditório do museu. Onde foram amparadas, acalmadas e lancharam.

O salto que a professora novata deu, pegando o menino nas mãos e esticando os braços para tirá-lo de perigo, tinha sido filmado por câmeras de segurança. Aquela cena pesada, que terminava mostrando que só os braços ficaram intactos, viralizou como pólvora nas redes sociais. A destruição do acidente havia sido grande. Por isso levou uma semana até tudo ser limpo, o que havia sido danificado trocado e os retoques finalizados.

No dia marcado, o prefeito, o secretário e um monte de baba ovos se juntaram a comunidade escolar para prestar homenagem aquela professora que tinha se sacrificado para salvar Paulinho. A novata, renovada, com um lindo vestido verde, experimentou pela primeira o gosto vindo dos olhos. E quando seu nome foi pronunciado no microfone, sentiu algo que havia sido escondido no seu código fonte por aquele programador que, assim como os estudantes, também tinha sido uma criança brincalhona.