O que aconteceu com a avaliação autêntica?

O que aconteceu com a avaliação autêntica?

A antiga lei de diretrizes da educação infantil e do ensino fundamental dos Estados Unidos (No Child Left Behind Act, ou NCLB, de 2001) “cravou uma estaca” no próprio coração. OK, isso é um pouco dramático. Mas a reforma educacional progressista chamada de “avaliação autêntica”* foi deixada de lado pelos testes padronizados e pelo movimento de responsabilização que começou no início dos anos 1980, ganhou velocidade nos anos 1990 e acelerou na velocidade da luz quando a lei NCLB foi sancionada.

Escolha sua metáfora mas, exceto alguns professores espalhados pelos Estados Unidos que começaram a ensinar no auge da “avaliação autêntica”, poucos secretários, diretores e professores novatos, muito menos os pais, já ouviram falar desse modo progressista de avaliar a aprendizagem do aluno.

Onde e quando a avaliação autêntica se originou?

Na década de 1980, após o relatório A Nation at Risk (Uma nação em risco), os legisladores estaduais se apressaram para elevar os padrões curriculares e aumentar a responsabilidade das escolas e distritos. Um resultado dessas reformas em todo o país foi um aumento acentuado no número de alunos que fazem as avaliações nacionais exigidas. No final da década de 1980 e início de 1990, os progressistas* da época, como Deborah Meier, Grant Wiggins, Fred Newmann, Linda Darling Hammond e Ted Sizer procuraram fazer com que as escolas exigissem mais do intelecto dos alunos em tarefas, atividades e avaliações.

Meier, Sizer e outros, por exemplo, criaram e organizaram escolas com professores que incentivavam os alunos a não apenas pensar sobre o conteúdo e as habilidades que aprenderam, de maneira que iam muito além do que os itens de múltipla escolha em uma avaliação nacional capturariam, mas também a demonstrar aos outros por meio de atividades práticas e exercícios o que aprenderam, e aplicar esse aprendizado ao mundo em que vivem.

As “avaliações autênticas” se tornaram reformas educacionais mencionadas com frequência. A frase “avaliação de desempenho” também foi usada com o mesmo sentido de “avaliação autêntica”.

Que problemas a avaliação autêntica pretendia resolver?

Vindo na esteira do aumento das avaliações nacionais e do estreitamento do currículo para as matérias testadas – aprendizado de leitura e matemática, especialmente em escolas pobres e de minorias, passamos a cobrir apenas o conteúdo abordado nas avaliações e realizar atividades repetitivas. Essas avaliações medem a aprendizagem do aluno de forma muito limitada e compreendem pouco o desempenho.

No entanto, os formuladores de políticas educacionais consideraram que esses testes são precisos na hora de avaliar o aprendizado dos alunos. Por último, essas crianças ficaram cada vez mais desestimuladas e chegaram a adotar uma postura passiva, sem envolvimento. 

Vendo todo esse retrocesso, os defensores de reformas educacionais viram a avaliação autêntica (agora sem aspas, mesmo) como uma forma de retornar o ensino e a aprendizagem às suas raízes progressistas, envolvendo os alunos por meio da conexão de conteúdo e habilidades com tarefas do mundo real e aumentando assim a participação dos alunos no processo de aprendizagem.

Como é a avaliação autêntica nas salas de aula?

Não consegui encontrar projetos de alunos ou uma aula de um professor que trabalhasse com a avaliação autêntica. De toda forma, pode ser que eles existam. O que eu encontrei depois de muitas pesquisas foram videoclipes de escolas comprometidas com uma avaliação autêntica e uma professora da terceira série descrevendo o que ela fez com alunos em aulas que envolvem Linguagem. 

Fiquei surpreso com a escassez de fontes que descrevem o que realmente ocorre nas salas de aula. Planejar e aplicar atividades de avaliação autênticas em sala de aula exige muito trabalho dos professores. É verdade que é necessário todo o trabalho de ensino no começo, mas a avaliação pode ser usada depois com frequência.

Existem atalhos, é claro, para criar essas avaliações e pensar em tarefas para os alunos fazerem. No entanto, gastamos muito tempo para encontrar a atividade certa e que acompanhe exatamente os objetivos de aprendizagem que o professor busca avaliar. Peço desculpas aos leitores por não ter esses exemplos.**

Talvez eu tenha procurado nos lugares errados ou não tenha sido persistente o suficiente. 

A avaliação autêntica funcionou?

Aqui está o dilema em que os campeões da avaliação autêntica se encontram. Se “trabalho” significa eficácia em determinar se os alunos aprenderam o conteúdo e as habilidades exigidas e se tiveram um desempenho satisfatório nas avaliações estaduais obrigatórias, em que grau a avaliação autêntica ajudou no resultado? Vou simplificar.

Um professor de sala de aula ou o diretor de escola comprometidos com uma avaliação autêntica, por meio de exercícios e portfólios de seus alunos, considera as pontuações em avaliações nacionais padronizadas como prova de aprendizagem? Ou o professor, a escola ou as secretarias de educação projetam suas próprias medidas para determinar o nível de aprendizado dos alunos? Ou ambos importam?

As respostas a essas perguntas apresentam uma contradição, uma vez que os testes estaduais e nacionais são medidas limitadas da aprendizagem do aluno de conteúdos e habilidades. Esses testes falham em compreender as habilidades críticas adquiridas ao avaliar tarefas distintas de forma autêntica. A resposta à outra pergunta é “sim”, o que significa um enorme investimento de tempo dos professores e outros, um cálculo que professores e gestores têm que fazer, dada às outras demandas dos professores durante o dia escolar.

Quando o estado de Vermont, por exemplo, adotou portfólios como uma avaliação autêntica em vez de avaliações nacionais, pesquisadores refletiram se os portfólios forneciam dados suficientes e precisos sobre o desempenho dos alunos. Eles concluíram que os dados que coletaram tinham menos qualidade do que os resultados das avaliações nacionais tradicionais.

O que aconteceu com a avaliação autêntica?

Como muitas novidades progressistas no repertório de professores ao longo das décadas, a empolgação em torno das avaliações autênticas no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 diminuiu. A ideia de professores e escolas projetarem atividades de avaliação que captam se os alunos conseguem aplicar o que aprenderam, é claro, continua a aparecer nas aulas de muitos professores nas 100.000 escolas dos EUA. Os professores frequentemente combinavam formas tradicionais e progressistas de ensino e aprendizagem ao longo das décadas. Mas o impulsionamento e o alvoroço em torno da avaliação autêntica desapareceram. Em 2020, as avaliações nacionais seguem em primeiro lugar na hora de avaliar o aprendizado dos alunos.


* Eu uso a palavra Progressista para descrever a avaliação autêntica, uma vez que visa o princípio da criança aprender fazendo e envolvendo a atenção e a participação do aluno em tarefas do mundo real. Esses eram os objetivos dos progressistas pedagógicos do início do século XX e dos educadores atuais comprometidos com o ensino e a aprendizagem construtivistas .

** Consulte os comentários de leitores que recomendaram fontes que não incluí. Especialmente os comentários de Bob Lenz e os links que ele fornece para avaliações de desempenho atuais. Obrigado, Bob.

Artigo traduzido por Américo Amorim e Danilo Aguiar.

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Temos ótimas notícias para o mundo da educação baseada em evidências. Abhijit Banerjee e Esther Duflo, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e Michael Kremer, da Universidade de Harvard, receberam recentemente o Prêmio Nobel de economia.

Esse prêmio homenageia pessoas extraordinárias que fazem trabalhos também extraordinários para diminuir a pobreza nos países emergentes. Ouvi Esther Duflo palestrar na Sociedade de Pesquisa em Educação Efetiva (SREE) e assisti a incrível Ted Talk dela sobre a pesquisa pela qual ganhou o Nobel (a palestra foi realizada antes que eles soubessem que receberiam o prêmio Nobel). Assistir a fala dela (neste link, em inglês) vale muito a pena.

Mas a importância desse Nobel vai muito além de reconhecer as pessoas que venceram. Ele celebra o uso de evidências científicas em políticas educacionais, descobertas em fundações, institutos e centros de pesquisa espalhados pelo mundo todo, assim como este blog. 

O prêmio também comemora o trabalho de cientistas de educação, psicologia, sociologia e economia, comprometidos(as) com o uso rigoroso de pesquisas para promover avanços na sociedade. Os(as) premiados(as) com o Nobel representam esse desenvolvimento no âmbito internacional, financiado pelo Banco Mundial, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por outras organizações internacionais de apoio.

Da esquerda para a direita: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer.

No Ted Talk, Esther Duflo explica a grande estratégia que ela e seus colegas seguem. Eles identificam grandes problemas sociais em países emergentes, dividem-nos em “partes” solucionáveis ​​e depois usam experimentos randomizados para testar soluções para cada uma delas. 

Primeiro, junto ao Dr. Banerjee (seu marido) e a Michael Kremer, ela descobriu que ter livros didáticos não fez diferença no aprendizado de estudantes na Índia. Depois, o grupo testou com sucesso uma forma de viabilizar tutores baratos e, posteriormente, computadores, para ajudar estudantes da Índia que tinham dificuldades para ler (Banerjee, Cole, Duflo e Linden, 2007). 

É uma série de estudos fascinante que avaliou a relação custo-benefício de vários programas educacionais nesses países emergentes. E qual venceu? O que se propôs a curar as crianças de vermes intestinais. Com base nessa e em outras pesquisas, a organização não-governamental Fundação Carter embarcou em uma campanha que praticamente erradicou o verme da Guiné em todo o mundo.

Num dado momento, Duflo e seus colegas testaram variações nesses programas para fornecer mosquiteiros inibidores da malária a países emergentes nos quais a doença é a principal causa de morte de crianças – especialmente aquelas com menos de cinco anos de idade. Os resultados seriam melhores se os mosquiteiros tivessem um custo acessível? Se fossem gratuitos (custo de varejo = R$ 12)? Economistas, pesquisadores(as) e representantes políticos temiam que quem não pagasse nada pelos mosquiteiros não os valorizassem ou usassem para outros fins. Mas o experimento randomizado descobriu que, sem dúvida, os mosquiteiros gratuitos eram muito mais usados do que os obtidos com descontos, o que pode ter salvo a vida de milhares de crianças.

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Para aqueles que trabalham com o uso de evidências na educação, os experimentos realizados pelos ganhadores do Nobel são bastante familiares, mesmo que tenham aspectos práticos muito diferentes dos que encontramos nos Estados Unidos ou no Reino Unido, por exemplo. No entanto, estamos longe de ser maioria entre pesquisadores de nossos países e lutamos para utilizar experimentos randomizados como critério de eficácia. Tenho certeza de que as pessoas que trabalham no desenvolvimento internacional enfrentam desafios iguais. 

É por isso que este prêmio Nobel de economia significa muito para todos(as) nós. As pessoas prestam muita atenção aos prêmios Nobel, e nós não temos um voltado à pesquisa educacional. Portanto, é muito gratificante ver um prêmio nobel ser dividido por economistas, cuja pesquisa tem como principal contribuição o uso de experimentos randomizados para resolver questões práticas e políticas importantes, inclusive para a educação. Talvez o prêmio desse trio seja o mais próximo que chegaremos ao reconhecimento desses experimentos, adotados por muitos nas pesquisas aplicadas em psicologia, sociologia e educação – e por economistas.

Os prêmios Nobel costumam ser usados ​​transmitir mensagens positivas, apoiar o desenvolvimento de pesquisas importantes e para reconhecer pesquisadores merecedores e líderes de suas áreas. Esse foi claramente o caso deste prêmio. Esse Nobel deixa claro como o trabalho dos vencedores transformou a realidade, a ponto das “metodologias de pesquisa experimental dominarem inteiramente a economia do desenvolvimento”. Espero que esse evento conscientize as pessoas e dê mais credibilidade à idéia de que evidências comprovadas são necessárias. Elas são a chave para a mudanças significativas na vida das pessoas.

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O analfabetismo dificulta a vida de uma pessoa adulta em inúmeros aspectos – inclusive, o aprendizado de seus filhos e filhas. É sobre esse tema que conversamos com a professora Daphne Greenberg, pesquisadora educacional da Georgia State University e especialista no assunto.

Segundo a educadora, nos Estados Unidos, uma a cada seis pessoas adultas lê no mesmo nível de crianças da educação infantil. Isso revela o quanto ensinar uma pessoa a ler e escrever reflete no crescimento de um povo no decorrer de gerações. Buscar formas inovadoras e efetivas para a alfabetização é indispensável para mitigar o analfabetismo e melhorar esse cenário.

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Larry Cuban: O “otimismo tecnológico” encontra as escolas – as escolas vencem (parte 2)

Larry Cuban: O “otimismo tecnológico” encontra as escolas – as escolas vencem (parte 2)

Tanto no presente quanto no passado, protestos e reclamações não impediram a chegada de inovações tecnológicas. Esse é o poder do otimismo tecnológico: mudar é algo bom. Mudança significa progresso. Mudanças tornam a vida melhor. Claro, mesmo que as novas tecnologias desfaçam setores da indústria, as pessoas percam empregos e fusões corporativas expulsem as pequenas empresas, a vida será melhor do que antes. O otimismo tecnológico reina na América.

“Protestos contra novas tecnologias – os primórdios.”

Na Europa e nos Estados Unidos, há séculos existe a crença de que novas tecnologias podem melhorar a vida individual e coletiva – a saúde, a produtividade na escola e no local de trabalho, a comodidade do lar e o envolvimento com a comunidade. Essa visão é difundida independentemente de raça, etnia, classe social e crença religiosa.

O sonho de que a internet promoveria a democracia, por exemplo, era vivo na primeira geração de usuários. No entanto, depois de alguns anos, ficou óbvio que a internet, como a maioria das tecnologias, pode ser usada para o bem ou para o mal; pode expandir a participação popular nas democracias ou reforçar as garras das ditaduras no controle dos cidadãos. Ou então, a internet se torna invasiva e comercial ao “sugar” dados pessoais – vendidos para quem der o maior lance. Junte a isso as plataformas de mídias sociais que certamente conectam as pessoas umas às outras e, ao mesmo tempo, são veículos que intimidam, permitem o cultivo do ódio e interferem nas eleições nacionais de outros países.

Sonhos frustrados à parte, o tecno-otimismo continua sendo a crença padrão para a maioria dos americanos.

E esse “otimismo” (sem o prefixo “tecno”) também pode ser usado para descrever os(as) educadores(as). Afinal, os homens e mulheres que se tornam professores(as), diretores(as) e superintendentes realmente acreditam que os(as) alunos(as) podem sempre melhorar, que aprender é uma coisa boa e que todas as crianças e jovens têm muito a ganhar quando as escolas são “boas”. Poucas pessoas pessimistas entram na profissão e, caso entrem, raramente duram mais de um ou dois anos.

No entanto, esse otimismo tecnológico vai ficando mais suave ao longo do tempo. As reformas educacionais vêm e vão. O hype (o que está na moda) logo é reconhecido e facilmente descartado. Muitas vezes, certas mudanças ocorrem mas ficam bem abaixo das expectativas. Apesar disso, a escola que utiliza a classificação etária e um “guia de práticas escolares”, na qual os professores trabalham diariamente, é o que diminui esse otimismo: não damos a devida importância a essas escolas. Principalmente, pelas condições de trabalho (por exemplo, longas jornadas diárias de ensino, o tamanho das turmas, tempo limitado para planejar, poucos materiais, muitas tarefas diferentes); pela influência negativa que a segregação social têm nas habilidades e no desempenho dos alunos; e as más decisões de diretores(as) e administradores(as) escolares. Dentro dessas escolas, é grande a decepção, o que elimina grande parte desse otimismo tecnológico principalmente quando se trata de novas tecnologias.

“Aceitem as mudanças!” | “Mudanças são um saco!”

Professores(as) mais novos(as) na profissão frequentemente se esgotam e abandonam o trabalho. Os(as) que dominam o ofício e mantêm a crença na importância do trabalho que realizam, aprenderam a analisar o hype e a selecionar novas tecnologias para atender a demandas específicas de suas salas de aula. Ainda cultivam o otimismo porque consideram importante ajudar as crianças a crescer e aprender enquanto compartilham conhecimentos com elas. Esses(as) profissionais ajustam suas abordagens para usar dispositivos e software em aulas, e se adaptam às demandas da escola com classificação etária e seu “guia de práticas escolares”.

No fim, toda essa conversa sobre “inovar” a educação básica e o ensino superior por meio de cursos abertos online (MOOCs), super-software, aprendizado personalizado e escolas digitais é só isso mesmo, uma conversa. Todas essas tendências existem mas ficam à margem da escola.

Por que e como isso acontece?

Toda instituição tem planos para os que fazem parte dela. A escola com classificação etária voltada a crianças e jovens, os quais são obrigados a frequentá-la até os 17/18 anos, é onipresente, duradoura e molda o que acontece diariamente nas salas de aula, corredores, lanchonetes e playgrounds. As estruturas ditam os deveres do professor, as responsabilidades do aluno e as ações administrativas – por exemplo, a carga horária diária das aulas, a disposição das salas, a divisão dos conteúdos em disciplinas por ano ou turma, os testes e boletins.

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Esse “guia de práticas escolares” incorporado na escola com classificação etária influencia o que os alunos fazem, o que os professores ensinam e o que ocorre das 8h às 15h nas nossas escolas. Além das agências militares e organizações de combate ao crime, a maioria dos nascidos nos Estados Unidos subestima o poder de organizações comunitárias, como escolas, de moldar (sem determinar) o comportamento individual de adultos e crianças. E isso é um erro. As organizações escolares dirigem, sim, o comportamento daqueles dentro de seus espaços – mas não os controlam.

Parte desse “controle” do comportamento fica evidente quando se trata de novas tecnologias, vistas como promessas de transformar o ensino e a aprendizagem, criadas por pessoas que nunca passaram um dia ensinando em uma sala de aula.

Muitos(as) dos(as) professores(as) mais experientes têm aversão a essas promessas. Afinal, eles(as) sabem na prática o que acontece nas salas de aula e nas escolas. Quando se deparam com reformas educacionais que prometem grandes mudanças, eles(as) adaptam essas políticas para se ajustarem aos seus alunos, seu conteúdo, habilidades e o que acreditam que os(as) alunos(as) devem aprender. Isso é feito aos poucos, claro.

Vamos considerar os computadores desktop (“de mesa”). No início dos anos 1980, as inovações tecnológicas chegaram com a presença deles na mesa de professores(as). Em alguns anos, a escola colocou computadores nas bibliotecas e criou laboratórios exclusivos para aulas de informática. Com o tempo, os preços deles caíram e muitas escolas compraram laptops para cada um dos alunos. Agora em 2019, grande parte das salas de aula está equipada com 25, 30 tablets prontos para uso. No entanto, os(as) professores(as) organizam salas, aulas e atividades da mesma forma que antes mas, agora, usam dispositivos e software para atingir os mesmos fins. Com certeza, as escolas passaram a suavizar o tom ao anunciar esse “aprendizado personalizado”, já que oferecem o acesso aos dispositivos e existem professores que concordam com a aplicação dessas tecnologias nas atividades.

Você pode até querer mudanças radicais no dia a dia nas salas de aula, mas elas não vão acontecer. Com a compreensão e a disposição dos(as) professores(as), mudanças podem ocorrer lentamente. De forma geral, as escolas adotam reformas educacionais e as adaptam pouco a pouco para se adequar à “guia de práticas escolares” predominantes. Professores(as), coordenadores(as) e diretores(as) podem “domesticar” as reformas escolares, incluindo novas tecnologias.

Nenhum desses comentários é uma crítica aos educadores(as) ou diretores(as). É simplesmente uma evidência de como e por que as escolas e suas infraestruturas exercem grande influência sobre suas equipes de profissionais.

Tradução: Danilo Aguiar /Américo Amorim.