Robert Slavin: programas educativos de sucesso podem ser replicados sim!

Robert Slavin: programas educativos de sucesso podem ser replicados sim!

Na década de 1930, cientistas franceses anunciaram que de acordo com os princípios da aerodinâmica, as abelhas não podiam voar. As únicas evidências de que sim, elas podiam, eram os relatórios observacionais, que não seguiam padrões científicos e não tinham bases em teorias reais de que as abelhas voavam de fato. Enquanto eu conversava com algumas pessoas sobre a implementação em larga escala de programas educativos eficazes, essa história das abelhas, que é bem conhecida, surgiu na conversa.

Muitos pesquisadores educacionais e representantes políticos defendem que é falha a sequência “pesquisa, desenvolvimento, avaliação e implementação”, usada por décadas para descobrir as melhores maneiras de ensinar às crianças. Muitos analistas afirmam que poucos(as) educadores(as) recorrem às pesquisas para ajudar na escolha dos programas educativos mais indicados a melhorar o aprendizado dos(as) alunos(as) ou outros pontos importantes da educação.

Nas chamadas Research-Practice Partnerships (parcerias entre pesquisa e ensino), pesquisadores trabalham em parceria com educadores locais para resolver problemas importantes desses profissionais. As parcerias se baseam na ideia de que educadores quase nunca buscam ajuda em pesquisas – a menos que tenham sido parte da equipe de criação. Quem se opõe às políticas educacionais baseadas em evidências sempre reclama de que, como as escolas são muito diferentes entre si, é improvável que adotem projetos desenvolvidos em locais distantes, e é por isso que poucos programas educativos baseados em pesquisas são divulgados de forma ampla.

A implementação de programas eficazes é de fato difícil, e há poucas evidências de como eles podem ser melhor divulgados. Reconhecendo esses e muitos outros problemas, no entanto, é importante observar um pequeno fato nesse cenário triste: há programas que são divulgados sim. Há 113 iniciativas voltadas à leitura e ao ensino de matemática que atendem aos padrões rígidos da Evidence for ESSA, site que lista programas educativos adequados à Every Student Succeeds Act (ESSA), lei da educação dos Estados Unidos. Entre eles, a maioria foi implementada em dezenas, centenas ou até milhares de escolas.

Na verdade, não são aceitos os que não sejam implementados atualmente (porque não é muito útil para educadores, nosso público-alvo, descobrir que um programa educativo não está mais disponível – ou nunca esteve). Alguns desses, geralmente os mais recentes, podem operar apenas em algumas escolas mas devem crescer com o tempo. De qualquer forma,a maioria dos programas, desenvolvidos por organizações comerciais ou sem fins lucrativos, são amplamente divulgados.

Atualmente, há diversos programas de fortalecimento de matemática e da alfabetização voltados à educação infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental. Todos eles, baseados em evidência científicas e de eficácia forte, moderada ou promissora, segundo os padrões das leis locais. Podemos citar, por exemplo, programas de leitura bem-sucedidos nos EUA como o Reading Recovery, Success for All e o Sound Partners; na matemática, têm resultados positivos o Math in Focus, Math Expressions e diversos outros. Entre os brasileiros, está o Escribo Play. Esses, eu já sei que têm resultados comprovados por evidências e são implementados. Podem haver outros menos conhecidos.

Espero que esta lista convença a todos os que duvidam de que programas comprovados podem ser implementados. À luz desta lista, por que tantos educadores, pesquisadores e representantes políticos resistem tanto a acreditar?

Um porquê pode ser o fato de que divulgar programas educativos quase nunca ocorre da maneira que os(as) pesquisadores(as) desejam. Eles(as) ficam desapontados(as) ao descobrir que publicar os resultados em periódicos e revistas científicas têm pouco impacto na prática, mesmo que invistam muitas horas e muita energia na pesquisa e na publicação de seus resultados. Geralmente, tentam deixar suas descobertas mais acessíveis usando uma linguagem mais simples em periódicos mais orientados à prática da profissão. Ainda assim, isso tem pouco ou quase nenhum impacto na divulgação.

Mas implementar um programa com eficácia não é somente escrever para periódicos. Na verdade, o(a) pesquisador(a) ou um(a) especialista (a), como uma editora ou empresa de inovação, precisa pegar as descobertas da pesquisa e transformá-las em um software ou aplicativo que resolva um problema importante para educadores(as), tenha atrativos, seja profissional, completo e não custe uma fortuna. Programas educacionais eficazes quase sempre contribuem para a formação dos professores, trazem materiais pedagógicos e apps ou software. Esses provavelmente serão implementados com amplo alcance. Acho que praticamente todos os programas listados acima surgiram como uma ótima idéia transformada em um programa atraente.

Uma parte triste desse processo é que os programas que não têm provas de eficácia, ou até mesmo ineficazes, seguem o mesmo processo de divulgação que os comprovados. Antes dos requisitos da ESSA surgirem em 2015, as evidências tinham um papel muito limitado. Até o momento, a ESSA “apontou os refletores” para os benefícios delas, mas também mostra que ter provas de eficácia não é um grande diferencial em relação aos programas que não têm. Muitos dos programas atuais afirmam que são “baseados” ou “informados por evidências”, então as pessoas podem ser enganadas.

No entanto, a situação está mudando. Primeiro, o próprio governo dos EUA está identificando programas com evidências de eficácia – e deve divulgá-los. Iniciativas governamentais, como o Investing in Innovation (hoje EIR), na verdade, fornecem financiamento a projetos de eficácia comprovada para que ampliem suas atividades. As iniciativas What Works Clearinghouse, Evidence for ESSA e outras fontes dão fácil acesso aos programas comprovados. Em outras palavras, o governo está começando a intervir para impulsionar a implementação em longo prazo de programas bem-sucedidos.

Agora, de volta às abelhas. A ideia de 1930 de que as abelhas não voavam foi derrubada em 2005, quando pesquisadores americanos descobriram o que as abelhas realmente fazem enquanto voam: elas não batem as asas como fazem os pássaros. Em vez disso, eles empurram o ar para frente e para trás com as asas, criando uma zona de baixa pressão acima delas. Essa pressão as mantêm no ar.

Da mesma forma, pesquisadores(as) educacionais podem parar de teorizar sobre como a divulgação/implementação de programas comprovados é “impossível” e, em vez disso, encontrar os que são realmente eficazes. Em seguida, podemos elaborar políticas governamentais para apoiar ainda mais os programas, aumentar a capacidade deles de se organizar e funcionar, bem como fornecer incentivos e assistência para ajudar as escolas que precisam deles a aprender a adotá-los.

Talvez possamos chamar isso de “plano bzz”.

Metanálise: revisitar o passado é essencial para inovar na educação do presente

Metanálise: revisitar o passado é essencial para inovar na educação do presente

Para a ciência, ainda é um mistério por que algumas pessoas aprendem facilmente a ler e outras, não. Esse é o objetivo das pesquisas de Arne Lervag, professor na Universidade de Oslo que estuda o desenvolvimento das habilidades de leitura. Neste vídeo, ele fala da importância de experimentos controlados e do uso da metanálise para ajudarmos a essas pessoas. 

Segundo o professor, as meta-análises cruzam e analisam dados educacionais já obtidos por diferentes métodos para revelar novas oportunidades de ações positivas nas escolas. O desafio é que a forma de inserir essas evidências no dia a dia dos(as) professores(as) pode variar a cada salas de aula. Cada caso é único!

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Timothy Shanahan: as diretrizes de leitura de Chicago

Timothy Shanahan: as diretrizes de leitura de Chicago

Nesta semana, o pesquisador educacional e especialista no ensino de leitura Timothy Shanahan entra para o time de colaboradores do Blog Ciência do Aprendizado, da Escribo. Ele é professor emérito da Universidade de Illinois em Chicago, nos Estados Unidos. Shanahan é ex-diretor de leitura das escolas públicas de Chicago e e fez parte do conselho consultivo do Instituto Nacional de Alfabetização, nos governos de George W. Bush e Barack Obama. É autor e editor de mais de 200 publicações sobre educação em alfabetização, as relações entre leitura e escrita e como ensinar as crianças a ler melhor. Neste artigo, o educador apresenta as Diretrizes de Leitura de Chicago, uma série de competências básicas que devemos estimular nas crianças ao ensiná-las a ler – e o papel do professor nessa relação. Boa leitura!

Pontos principais
Famílias:
com as Diretrizes, as crianças podem aproveitar melhor o tempo para leitura, conhecer diferentes métodos e gêneros textuais enquanto refletem sobre a leitura e os textos que produzem.
Professores: segundo as diretrizes, a alfabetização de uma criança depende do conhecimento das palavras, fluência, compreensão e escrita.
Gestores: a direção pode usar as diretrizes para orientar educadores(as) e gerar resultados melhores no ensino de leitura e escrita.


O Chicago Reading Framework (“Diretrizes de Leitura de Chicago”, em inglês) surgiu do trabalho que fiz nas escolas entre 1999 e 2007. O projeto começou em uma escola de baixa renda do centro da cidade e, oito anos depois, chegou a mais de 200 escolas no estado do Illinois e em cidades espalhadas pelos Estados Unidos. Esse projeto foi tão bem-sucedido e adotado pelas Escolas Públicas de Chicago por dois motivos. Em primeiro lugar, o projeto ajudou muitas escolas a melhorar o desempenho das crianças em leitura, e os resultados desse método – e de metodologias semelhantes em outros lugares – prometiam grandes ganhos acadêmicos para os nossos filhos. Segundo, essa abordagem tenta aproveitar nossos conhecimentos e o que a escola já faz bem. Embora essas diretrizes ofereçam novas abordagens, seu objetivo não era substituir tudo o que já era feito nas escolas, mas vir como um apoio para a continuação do que já funcionava bem no ensino de leitura.Framework na prática

O Chicago Reading Framework parte da premissa de que uma alfabetização escolar eficaz pode sim ensinar a maioria das crianças a ler. Essa premissa não é apenas uma esperança – vários diretores e professores, incluindo alguns em Chicago, já usaram esse modelo para melhorar a leitura em suas escolas. E não estamos falando apenas de aumentar as notas em provas de leitura – pelo menos não diretamente – mas ensinar as crianças a lerem tão bem que isso se reflita na trajetória acadêmica delas. Esse tipo de melhoria ocorre mais facilmente quando damos ênfase ao ensino prático de leitura, em vez de focar no treino para testes e provas. É por isso que a Chicago Reading Initiative (Iniciativa de Leitura de Chicago, em português) investiu tanto na formação contínua de nossos professores.

As diretrizes usam evidências vindas de pesquisas educacionais. As pesquisas nos ajudam a identificar abordagens bem-sucedidas e podem nos dar dados sólidos sobre como implementar iniciativas educacionais para obter resultados positivos. Essa estratégia é alinhada com vários estudos sobre leitura, como o National Reading Panel Report [3], as pesquisas Prevention of Reading Difficulties [4] e Becoming a Nation of Readers (1984), bem como avaliações de escolas locais como as conduzidas pelo Chicago School Research Consortium.

Antes de explicar o que são as diretrizes, vamos definir o que elas não são. Primeiro, não são um programa em si, nem possuem guias e manuais específicos vinculados a elas. Elas também não exigem métodos ou atividades específicas. A pesquisa é clara: muitos programas e materiais educacionais funcionam e não há apenas uma maneira de ensinar a ler. Algumas abordagens provavelmente terão mais sucesso do que outras. Os(as) professores(as) devem confiar no que já sabem para começar a atender às necessidades de leitura das crianças e, com o tempo (e caso necessário), serão orientados a melhorar seus esforços. Enquanto isso, as diretrizes recomendam  focar no que precisa ser ensinado e garantir que as crianças tenham um ensino de qualidade.

Uma tendência natural dos professores e diretores é adiar a implementação até que eles sintam que compreendem as diretrizes. Nesse caso, isso seria um grande erro. Os professores da Escola Pública de Chicago já sabiam e sabem muito. Devemos usar esse conhecimento para ajudar as crianças a se tornarem ótimas leitoras. Vamos melhorar a qualidade do ensino à medida que avançamos.

Horas voltadas ao ensino de leitura

É essencial que as escolas destinem um tempo considerável ao ensino de leitura e escrita. Pesquisas mostram que o professor de nível médio investe em média apenas 55 minutos por dia em leitura e estudos de linguagem, atividades que segundo as evidências podem melhorar muito o desempenho em leitura [1]. Uma pesquisa mostrou claramente que aumentar o tempo que se passa estudando pode melhorar o desempenho em leitura (Rosenshine & Stevens, 1984); no entanto, com exceção do Four-Block Plan (“plano de quatro blocos”, em inglês) [2], que atende às necessidades dos leitores que estão em fase de aprendizado, os conteúdos voltados à formação de professores praticamente não falam sobre o uso do tempo no ensino de leitura. Alguns textos sobre métodos citam sua importância, mas não dizem quase nada sobre o uso do tempo, o que seria ideal, no ensino de leitura. Por isso, resta aos professores descobrir por si próprios quanto tempo investir ou como distribuí-lo entre os vários componentes da leitura. Essas decisões são muito difíceis especialmente para professores dos ensinos fundamental e médio por causa da divisão dos conteúdos em matérias (“disciplinas”).

As diretrizes estabelecem um tempo mínimo de 2h a 3h por dia para o ensino de leitura e escrita e incentivam as escolas a testarem outras abordagens que vão além do horário escolar regular (por exemplo, ler antes ou depois da escola, colônias de férias, envolver os pais, etc). Professores(as) e diretores(as) são orientados(as) a não gastar tempo em tarefas ineficazes para a alfabetização (embora ainda possam usar essas atividades desde que não reduzam a prática de leitura e escrita). Os educadores são livres para experimentar atividades pouco exploradas. A idéia é ensinar os(as) alunos(as) a ler e escrever enquanto garantimos o ensino de matemática, ciências, história, estudos sociais e outras disciplinas. O bom uso do tempo para a alfabetização é ótimo e indispensável.

Os professores podem organizar essas horas de várias maneiras. Em outras palavras: esse ensino não precisa ser blocado em 2h, 3h corridas – embora as escolas possam fazer isso. Montar o horário das aulas é algo complexo e, por isso, o tempo de leitura pode ser distribuído ao longo do dia. Isso significa que as Diretrizes se ajustam aos horários de aula e que os professores podem construir planos que atendam às necessidades e à realidade de seus alunos. O ensino de leitura nas aulas de história, ciências e matemática também conta.

Foco em habilidades essenciais

O ensino de leitura deve enfatizar as habilidades que, segundo as pesquisas, são essenciais para o seu desenvolvimento. As diretrizes organizam essas habilidades em quatro componentes ou categorias básicas de ensino: conhecimento de palavras, fluência, compreensão e escrita. As diretrizes exigem que cada um desses aspectos seja trabalhado igualmente em sala, através de atividades de leitura. Isso quer dizer que professores devem dedicar cerca de um quarto de tempo de ensino a cada uma dessas áreas de desenvolvimento durante um certo período – em até duas semanas. Isso garante que os alunos exercitem esses conhecimentos de forma equilibrada, sem que os professores tenham a criatividade e a flexibilidade restringidas na hora de atender às demandas dos alunos. 

Para serem incluídas como componentes básicos, as habilidades precisavam atender a cinco critérios – com pesquisas ou estudos experimentais que as comprovem. (a) Há pesquisas ou estudos experimentais que avaliam a capacidade de ensino por cada categoria. Por exemplo: estudos deveriam mostrar que o ensino de vocabulário (parte do conhecimento de palavras) levou a um crescimento do mesmo, ou que o ensino de fluência levou a uma leitura mais natural. (b) O estímulo de cada componente levou a uma melhoria geral da leitura, pelo menos para algumas populações. Por isso, os estudos tiveram que mostrar que o trabalho com a escrita levou a melhorias tanto na escrita como no aproveitamento da leitura. (c) As diferentes formas de combinar os quatro componentes, bem como os índices de cada um desses componentes, deveriam se relacionar de forma positiva e significativa com outros componentes e com os resultados gerais da leitura. (d) Cada categoria precisava ser independente. Aqui, estão incluídos estudos de caso de indivíduos precoces, com dificuldades de aprendizagem ou com lesões cerebrais que tiveram ganhos em um componente e desenvolvimento desproporcional nos outros, ou que obtiveram ganhos em três dos componentes sem progresso equivalente no quarto. (e) Finalmente, cada categoria precisava ter diferentes curvas de crescimento. Juntos, os componentes sugerem que conhecimento das palavras, fluência, compreensão e escrita estão relacionados, ainda que separáveis, ao aprendizado na alfabetização, que podem ser ensinados e, na prática, provavelmente levarão a ganhos na leitura.

Recentemente, o National Reading Panel (Painel Nacional de Leitura, em português) passou a informar ao Congresso dos EUA sobre os reflexos das pesquisas sobre o ensino de leitura. Enquanto pesquisas já apontavam o estímulo à escrita como eficaz [5], o relatório do Painel constatou que o ensino de conhecimento de palavras (incluindo fonética, consciência fonêmica e significado das palavras), fluência e compreensão gerava resultados muito positivos no aprendizado de leitura na educação infantil e no ensino fundamental.

A categoria conhecimento das palavras inclui o ensino de vocabulário, consciência fonêmica, fonética, ortografia e os significados das palavras. Outra categoria, fluência, enfatiza a velocidade, precisão e expressão na leitura de sentenças e textos. A compreensão está ligada ao entendimento do texto, enfatizando a leitura literária e de conteúdo (ciências, história, etc.). A escrita é o componente final, na qual os alunos aprendem a compor seus próprios textos de maneira eficaz para diversos objetivos. Essas quatro categorias são igualmente importantes nos vários níveis de escolaridade, mas a ênfase nas categorias muda um pouco ao longo do tempo. Por exemplo: o ensino de palavras na infância se concentra nas consciências fonêmica, fonética e no vocabulário mas, à medida que as crianças aprendem essas habilidades, a ênfase muda para o estudo do significado das palavras. Em outro exemplo, no começo as aulas podem enfatizar mais a leitura ou a escrita literária (narrativa) como parte do estímulo das habilidades de compreensão ou composição, mas essa ênfase muda para o estudo e composição de textos de conteúdo expositivo ou explicativo à medida que os alunos envelhecem.

Conhecimento das palavras

O conhecimento das palavras inclui o ensino tanto do reconhecimento quanto do significado das palavras. Na educação infantil até o terceiro ano do fundamental, é indispensável que os professores separem muito tempo para ensinar as crianças a reconhecer as palavras. O estímulo à consciência fonêmica (ensinar as crianças a ouvir e manipular os sons separáveis ​​em partes) deve fazer parte da alfabetização já no início da educação infantil. A maioria das crianças se beneficia de aproximadamente 20 horas de ensino sobre consciência fonêmica (cerca de 15 minutos por dia durante um semestre), mas esse ensino deve continuar até que os alunos consigam segmentar completamente palavras simples (como dividir a palavra gato em sons separados: /g/, /a/, /t/, /o/).

Começando na educação infantil, o ensino fônico deve ser incluso em atividades diárias. Esse ensino deve permitir que as crianças aprendam os nomes e sons das letras; aprendam a ler muitos dos padrões comuns de ortografia no idioma (como os sufixos -ando/endo/indo, -ação e -mente, por exemplo); e a usar essas informações para soletrar ou descobrir novas palavras (isso significa que a prática de leitura deve fazer parte do ensino fônico).

Durante esses primeiros anos, também deve haver ênfase no ensino do vocabulário visual das crianças – ou seja, palavras que elas possam reconhecer imediatamente. Palavras usadas com frequência como de, foi, com, viu, ali, para, por e assim por diante precisam ser aprendidas com muita proficiência. Os professores podem usar listas de palavras para se orientar neste momento. O objetivo é ensinar as crianças a reconhecerem as palavras listadas com rapidez e precisão.

Após cerca de três anos de ensino fônico e de vocabulário visual, os professores deveriam mudar o foco para o vocabulário ou para o significado das palavras. Como no ensino de fonética e consciência fonêmica, uma ampla variedade de métodos ou materiais pode ser usada com sucesso. Os melhores métodos de ensino exigem que os alunos usem o vocabulário de várias maneiras (conversando, ouvindo, lendo, escrevendo) e exigem que os alunos analisem e explorem definições das palavras e como podem se relacionar umas com as outras. Além disso, também é preciso se incluir na programação muitas atividades de revisão textual.

O ensino de ortografia também é parte importante do ensino de palavras. Tais atividades devem ajudar os alunos a acertar a grafia das palavras e pode proporcioná-los a chance de refletir sobre como as palavras são estruturadas. Esse ensino deve ser rápido e feito em conjunto com o ensino de fonética e de reconhecimento de palavras.

Fluência

Esse termo se refere à capacidade de uma pessoa ler um texto com velocidade, precisão e expressão satisfatórias. Embora a fluência esteja ligada tanto à leitura silenciosa quanto à falada, as diretrizes sugerem que o ensino da leitura falada é mais eficaz para o desenvolvimento dessa habilidade nos alunos. Atividades como leitura em dupla/grupos ou assistida foram eficazes já na educação infantil até os anos entre o fundamental e o médio. Nessas tarefas, os alunos se revezam na leitura de partes de um texto em voz alta, dando feedback um ao outro e relendo o texto várias vezes até que seja bem executado.

Se um aluno apresenta melhorias na fluência, o professor tem duas opções. Primeiro, se o texto se encaixar no exercício da leitura, o professor precisa apenas monitorar o desempenho da criança, ouvindo-a, para então diminuir o tempo destinado ao ensino de fluência (esse componente é o único da estrutura que pode ter esse tempo reduzido – e isso só pode ser feito se os alunos estiverem em um nível aceitável de fluência). Segundo, se o professor acha que a criança deve consumir materiais mais difíceis, pode aumentar o nível de dificuldade dos textos inclusive de conteúdos como estudos sociais ou ciências.

Os alunos fluentes geralmente podem ler um texto com apenas um erro de leitura a cada 100 palavras, em média, e ler com suavidade e rapidez. As crianças pequenas (até o segundo ano) devem procurar ler um texto de 60 a 80 palavras por minuto), enquanto que para crianças mais velhas a leitura deve aumentar para 100 palavras por minuto. A pontuação e as pausas precisam ser respeitadas para que o texto se pareça com uma conversa natural.

Compreensão de leitura

Os alunos precisam ser ensinados a entender o texto de forma independente. O ensino de compreensão inclui três componentes. Primeiro, ensinamos as crianças a buscar informações específicas. Segundo, mostramos como os textos são organizados e como elas podem usar essas estruturas para lembrar das informações dispostas mais facilmente. Terceiro, ensinamos uma variedade de estratégias ou ações que as crianças podem adotar antes, durante ou depois da leitura para melhorar sua compreensão e o aprendizado.

Para crianças pequenas, o ato de aprender quais informações devem ser priorizadas durante a leitura pode estar ligado, por exemplo, ao conhecimento de que bons leitores se concentram nas informações que o autor diz de maneira explícita, que devem ser deduzidas e baseadas no conhecimento prévio ou nas informações que você traz para um texto. À medida que as crianças crescem e as demandas de leitura se tornam mais desafiadoras e disciplinares, o ensino precisa mostrar a elas que tipo de informação procurar quando estão lendo conteúdos como textos de História, Ciências, Matemática ou Literatura.

A estrutura dos textos varia muito entre os gêneros narrativo e expositivo, e os alunos precisam de experiência e orientação para lidar com ambos. Para ler narrativas, as crianças precisam aprender sobre a estrutura da trama (incluindo personagens, problemas, soluções, resultados, etc.). Conhecer as “partes” de uma história ajuda as crianças a identificar informações importantes e depois se lembrar da história. Da mesma forma, os alunos precisam conhecer as diferentes partes dos textos expositivos (como solução de problemas, causa-efeito, comparação-contraste), sabendo inclusive que tipos específicos de informações serão fornecidos em certos textos. Por exemplo, livros de estudos sociais geralmente trazem informações sobre geografia, economia, cultura e história. Os alunos podem usar essas informações para pensar de maneira mais eficaz sobre como o autor apresenta a cultura ou época em questão.

As crianças também podem utilizar uma série de técnicas que estimulam a reflexão sobre textos de maneira mais eficaz. Ensinar os alunos a monitorar a própria leitura (para ter certeza de que estão entendendo e pedir ajuda quando não estão), questionar, resumir e reescrever o texto são apenas algumas dessas técnicas.

Por fim, vamos lembrar que os alunos se beneficiam do estímulo à compreensão – não apenas da prática. Muitos professores passam tarefas de leitura no estilo perguntas e respostas, mas isso não é o suficiente. As crianças precisam ser efetivamente ensinadas a compreender.

Escrita

As crianças precisam ser capazes de escrever seus próprios textos e de ler o que as outras escreveram. A leitura e a escrita dependem praticamente da mesma informação (incluindo gramática e ortografia, coesão e coerência, vocabulário, etc.), e aprender a ler e escrever simultaneamente pode dar uma vantagem às crianças. A escrita deve ensinar as crianças a escrever para uma variedade de propósitos e públicos, usando estratégias e ações que lhes permitam resolver vários problemas. A produção das crianças devem ter conteúdos significativos e eficazes.

Elas precisam saber como recontar eventos (escrita narrativa), explicar e analisar informações (exposição) e desenvolver a argumentação (persuasão), e o nosso ensino deve mostrá-las como fazer isso de maneira eficaz. Também precisam aprender a adaptar o tom e o assunto às necessidades dos leitores; aprender a escrever para si mesmas (notas, lembretes); para outras pessoas que compartilham informações com elas, e para audiências de diferentes faixas etárias e níveis de conhecimento (como escrever uma publicação, por exemplo). Os alunos devem aprender a produzir textos elaborados, focados em um único tema, organizados e que utilizem da maneira correta a gramática, a ortografia e diferentes estruturas. Precisam dispor de uma série de técnicas que os ajudem a se preparar para escrever, revisar e editar o que escreveram.

A Chicago Reading Initiative forneceu formação para professores e diretores nas quatro áreas. No entanto, essa formação leva tempo. Os professores podem começar a ensinar as quatro áreas usando seus conhecimentos e experiências atuais e podem aprimorar esses esforços por si mesmo e pelas oportunidades oferecidas a eles.

Às vezes, me perguntam por que alguma prática não está incluída neste sistema: pode ser o ensino gramatical formal, transição entre idiomas para estudantes bilíngues, tempo livre de leitura, conteúdos voltados aos professores e assim por diante. A razão é que nenhuma pesquisa provou que essas práticas trazem melhorias ao desempenho de crianças em todas as faixas etárias. No entanto, essas atividades ainda podem ser usadas ​​nas salas de aula de Chicago, mas não podem ser contabilizadas nas duas horas destinadas para leitura.

Continuidade

Um ensino de leitura poderoso vai longe. Ele estimula um aprendizado de qualidade, crescente entre diferentes anos, idades, séries e escolas – e faz isso mesmo com todas as propostas pedagógicas oferecidas pelas escolas (educação especial, educação infantil, ensino fundamental, ensino integral, etc.). As Diretrizes de Leitura de Chicago devem funcionar como um elo entre professores de todos os níveis de ensino e de todos os aspectos de um programa educacional da escola ou do município. Todos os professores, não apenas os que trabalham a questão da leitura, precisam ensinar usando as Diretrizes. Qualquer profissional das Escolas Públicas de Chicago cujo ensino exija materiais ou textos escritos precisa adotar essas medidas.

Já é tradição concentrar os esforços do ensino de leitura em níveis específicos, como no infantil ou no ensino fundamental. A acumulação de recursos nesses pontos provavelmente não é a melhor maneira de criar programas eficazes para as crianças. Precisamos maximizar nossos esforços em todo o sistema, uma vez que o desenvolvimento da leitura é essencial para o sucesso dos alunos em áreas acadêmicas como ciências, história e matemática, bem como para sua participação futura na sociedade. As Diretrizes tratam todos os níveis de ensino como importantes para o desenvolvimento dos alunos.

As escolas podem garantir essa continuidade por muitas maneiras. Por exemplo, a direção pode adquirir materiais educativos que ajudem os educadores a cumprir os programas pedagógicos com consistência. No entanto, esses materiais são apenas uma alternativa: essa continuidade pode ser alcançada por meio de professores que cheguem a um conjunto de acordos sociais ou objetivos curriculares específicos, incluindo uma indicação clara de quais séries serão responsáveis ​​por cada conteúdo. Os diretores e as faculdades são incentivados a se envolverem no planejamento e na tomada de decisões que garantirão maior continuidade nos níveis de ensino. Com o tempo, teremos mais conhecimentos nessa área, com base nos esforços das nossas escolas mais bem-sucedidas. Em outras palavras, lutamos por maior continuidade e consistência no futuro, mas não faremos isso por meio de ações arbitrárias.

Avaliação

Outra maneira de garantir programas de leitura eficazes é criar uma avaliação adequada. Não estou falando de testes formais como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), esses testes têm seu lugar mas não são indicados para melhorar o ensino no dia a dia. Professores e diretores devem estar cientes do quão bem as crianças estão aprendendo com esse ensino, para que possam fazer os ajustes necessários ao longo do caminho.

Se um professor está ensinando o vocabulário visual, ele precisa saber se as crianças estão aprendendo as palavras ensinadas. Esse conhecimento permitirá que o professor diminua ou acelere a parte prática. Da mesma forma, um professor precisa de instrumentos para monitorar se as crianças estão progredindo em fluência, em compreensão ou se a escrita delas está melhorando. Muitos professores já coletam essas informações sobre as crianças e já conseguem dar retornos às famílias e implementar melhorias no cotidiano. Os diretores também precisam ter acesso a esse tipo de informação para apoiar melhor os esforços de seus professores.

A Chicago Reading Initiative eventualmente fornece às escolas um apoio aprimorado para a avaliação contínua nos quatro componentes básicos, para ajudar os professores a melhorar e as crianças a monitorarem o próprio desempenho. Dessa forma, podemos focar os recursos onde eles são necessários e aumentar a eficácia do ensino para todas as crianças.

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Conclusões

Nos últimos 40 anos, pesquisas educacionais vêm crescendo e demandando cada vez mais tempo, maior foco nos fundamentos da aprendizagem, maior continuidade e maior conscientização sobre o progresso das crianças. As diretrizes tentam resolver cada uma dessas preocupações e, com o tempo, pudemos dar assistência a todos os professores. Embora as pesquisas foquem no ensino dos quatro componentes básicos – palavras, fluência, compreensão e redação – cada um deles poderia ser discutido apenas usando o senso comum. E ainda assim, em muitas escolas e salas de aula, conhecimentos que são básicos são ignorados.

As crianças que têm dificuldades tendem a receber menos atenção do que as mais bem-sucedidas. Da mesma forma, é menos provável que recebam um ensino equilibrado que aborda todas essas áreas importantes e provavelmente haverá menos apoios à continuidade e à avaliação contínua. Nessas escolas, frequentemente os representantes políticos desejam impor uma solução no estilo “bala mágica” (que resolva todo problema) aos professores. No entanto, as pesquisas são claras: não existe uma bala mágica. As escolas precisam, sim, é de um bom ensino e boa supervisão. É essencial garantir essas condições em todas as escolas públicas de Chicago. O ensino envolvente, inteligente e de alta qualidade continua sendo a melhor solução para nossos problemas de leitura, e as Diretrizes de Leitura de Chicago devem ajudar a orientar esse ensino para as necessidades de nossos filhos. Do presente aos próximos anos, teremos recursos para utilizar as diretrizes com mais eficiência. No entanto, até que esse apoio esteja disponível, não há razão para não fornecer às crianças um ensino de qualidade dedicado a esses componentes básicos do desenvolvimento. Nós sabemos o que fazer. A hora é agora.

Referências

[1] Baumann, J., and Hoffman, J. (1999.) The first r revisited: A national survey of educational practices. Reading Research Quarterly.

[2] Cunningham, P. M. (1991). Multimethod, multilevel literacy instruction in first grade. Language Arts, 68, 578–584.

[3] National Reading Panel. (2000). The report of the National Reading Panel. Washington, DC: National Institute of Child Health and Development. (2000). 

[4] National Assessment of Educational Progress. (1999). NAEP 1998 Reading Report Card. Washington, DC: National Center for Education Statistics.

[5] Tierney, R., and Shanahan, T. (1991). Reading-writing relationships: Proc­esses, transac­tions, out­ comes. In P. D. Pearson, R. Barr, M. Kamil, and P. Mosenthal (Eds.), Hand­book of Reading Research (vol 2., pp. 246-280). New York: Longman.

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Além do renomado pesquisador educacional Robert Slavin, o Blog Ciência do Aprendizado, da Escribo, apresenta o seu mais novo colaborador: o educador Larry Cuban, professor emérito de educação na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Com mais de 40 anos de carreira, Cuban é uma grande referência quando o assunto é educação. Ele é autor de centenas de artigos científicos e livros sobre ensino, história das reformas educacionais, e sobre o uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio. Neste primeiro texto, Cuban fala sobre o uso de tecnologias para fins educacionais e quais cenários podem surgir a partir da adoção das inovações pelas escolas. Boa leitura!


O entusiasmo que surge a cada inovação tecnológica é enorme. Thomas Edison (1900) previu que o cinema iria revolucionar o ensino e a aprendizagem; computadores desktop alcançaram a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental (1980); cursos online abertos e massivos se tornaram muito populares (2010), transformando o ensino superior; chegamos ao BrainCo, software que rastreia e usa as ondas cerebrais dos alunos (2019). Todo problema tem uma solução, e toda escola precisa do software mais recente – seja para aumentar os resultados dos testes de matemática dos alunos (Dreambox) ou fazer com que estudantes que falam inglês se tornem fluentes em francês (Duolingo).

Qualquer pessoa com mais de 40 anos reconhece as altas expectativas quando o assunto são as novas tecnologias nas escolas. O que muitas vezes não se percebe no meio dessas novidades (por exemplo, acesso e uso de novo hardware, software e ou mídia social) é que as escolas acabam usando intensivamente o novo material. Elas dominam a tecnologia e as adaptam ao que já existe.

Em outras palavras, os “tecno-otimistas” ganham quando colocam novos hardware e software nas escolas, mas perdem muito ao ver que o resultado fica bem aquém dos seus sonhos que geralmente incluem um ensino e aprendizagem mais rápidos, melhores e personalizados. E as escolas vencem tendo acesso a novas tecnologias, adaptando-as para melhor se adequar ao dia-a-dia.

Em 1992, quase três décadas atrás, escrevi alguns artigos sobre esse “tecno-otimismo” nas escolas públicas norte-americanas e, em seguida, sugeri três cenários. Nas décadas seguintes, temos evidências de que cada um deles de fato ocorreu. No entanto, um em particular está ocorrendo neste momento.

1. O sonho do tecno-otimista: construir agora as escolas eletrônicas do futuro 

São escolas com um número suficiente de dispositivos, software, acessórios e instalações para acomodar grupos variados de alunos em salas de aula, seminários e espaços de estudo individuais. O sonho é tornar ensino e aprendizado muito mais produtivos do que são hoje em dia, por meio da elaboração de projetos ou do ensino baseado em competências. Máquina e software são essenciais para que isso se torne realidade. Eles são vistos como ferramentas libertadoras para que alunos e professores cresçam, comuniquem-se bem e aprendam uns com os outros. Os professores são ajudantes, mentores para os alunos nessa relação com a tecnologia.

A estratégia é organizar a escola de modo que ela tenha máquinas, software e pessoas que sejam usuárias ativas das tecnologias. Bons exemplos vão desde as escolas digitais às escolas de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental totalmente equipadas com dispositivos, software, professores experientes e alunos altamente motivados.

2. O cenário do otimista cauteloso: crescimento lento de escolas e salas de aula híbridas

Nesse cenário, colocar computadores nas salas traz mudanças constantes no ensino, que ocorrem de maneira lenta, gradual e inevitável. Lenta e gradual porque as escolas, como organizações, levam tempo para aprender a usar computadores no ensino das crianças. Inevitável porque os que creem nesse cenário estão convencidos de que a escola do futuro será um local de trabalho dominado por computadores e telecomunicações.

As evidências ainda são poucas mas as pesquisas científicas feitas sobre esse cenário só aumentam. Por exemplo, já sabemos que colocar alguns computadores em uma sala de aula ou criar laboratórios de computadores, ao longo do tempo, altera como os professores ensinam (o ensino que antes era para toda turma passou a ser para pequenos grupos, mais individualizado). Isso muda também a forma como os(as) alunos(as) aprendem (passam a contar consigo mesmos e com os outros para refletir sobre ideias e exercitar suas habilidades). Assim, a organização da sala de aula pode mudar, embora lentamente, de uma totalmente orientada pelo professor para outra na qual os alunos trabalham com tutores online e passam a ser responsáveis pelo próprio aprendizado.

Nas escolas em que o número de hardware e professores conectados chegou num ponto crítico, gestores tendem a tomar decisões administrativas diferenciadas. Professores de diferentes áreas ou níveis educacionais alteram seus horários. O uso de tecnologias em toda a escola passa a fazer parte da rotina, assim como em questões não tecnológicas. É cada vez mais comum misturar o “velho” e o “novo”, com foco no professor e no aluno.

3. O cenário do preservacionista: manter e melhorar as escolas

Neste cenário, representantes políticos e gestores colocam computadores e outras tecnologias nas escolas, mas acabam reforçando amplamente as formas existentes de ensino, aprendizado, foco no coletivo e no currículo escolar. Enquanto alguns professores e escolas usam essas tecnologias de formas criativas e acabam sendo estereotipados pela mídia, uma grande parte dos usos é somente uma adaptação ao que já era feito pelos professores. Novas tecnologias se tornam formas de estimular mais melhorias. A visão contida na trajetória do preservacionista é a das escolas que mantêm o que vem sendo feito historicamente; fornecendo cuidados, separando aqueles que se destacam pelo aprendizado daqueles que não, e dando aos contribuintes uma educação o mais eficiente possível com os recursos disponíveis.

Há muitas evidências para esse cenário. Podemos, por exemplo, exigir um novo pré-requisito para o letramento digital; adicionar cursos de ciências da computação no currículo; criar um laboratório de informática para todos os computadores da escola; marcar com professores para que, uma vez por semana, levem suas turmas para uma sala onde possam se conectar às atividades diárias; ou até colocar um computador em cada sala de aula e comprar software produzido em conjunto com livros didáticos.

Nesse cenário, os computadores são vistos como auxiliares para um objetivo principal: ensinar os alunos. Adaptar essas novas tecnologias para ajudar professores e alunos a fazer o que devem fazer acaba por reforçar o que as escolas vêm fazendo no último século.

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Robert Slavin: Por que não o melhor?
Robert Slavin: Evidência e política: se você quer fazer uma bolsa de seda, por que não usar… seda?

Em 1992, enquanto escrevia me perguntei, “é mais provável que ocorra qual desses cenários?”

O menos provável é a primeira opção, a escola eletrônica do futuro. De toda forma elas serão construídas, mas serão exceções e, com o tempo, provavelmente desaparecerão quando a próxima geração de inovações tecnológicas se popularizar – melhor e mais barata. Assim, embora essas escolas existam agora, poucas vão se espalhar nacionalmente. Experiências recentes de escolas que adotaram tevês educativas, laboratórios de idiomas e o ensino programado (nas décadas de 1960 e 1970) mostraram que os representantes políticos devem ser cautelosos. Nos locais com novas escolas e software/hardware comprados e instalados, diretores(as) perceberam em menos de uma década que os aparelhos não eram usados pelos professores, ficaram obsoletos ou já não tinham mais como ser consertados. Com o avanço constante das tecnologias, é arriscado que cidades e estados façam grandes investimentos em novos aparelhos em quantidades maiores do que as usadas em projetos-piloto.

Os cenários do otimista cauteloso e do preservacionista são basicamente os mesmos, apenas são interpretados de formas distintas. Os preservacionistas argumentam que as escolas permanecerão do jeito que são em grande parte devido aos adultos e suas crenças milenares sobre ensino, aprendizagem e conhecimento. Elas são basicamente o “núcleo” da educação moderna: ensinar é dizer, aprender é ouvir e conhecimento é o que está nos livros. A maioria dos contribuintes espera que suas escolas reflitam essas crenças seculares. Essas crenças fortemente defendidas raramente desaparecem quando os produtos da Apple chegam às escolas.

Os preservacionistas também apontam que escolas com turmas organizadas por faixas etárias persistem mesmo após as reformas educacionais mais profundas. Forma dominante de organização escolar há mais de um século e meio, a classificação etária organiza salas de aula independentes que separam os professores uns dos outros, conteúdos trabalhados série a série com os alunos e um cronograma que reúne estudantes e professores em momentos rápidos. Essas estruturas influenciam profundamente como os professores ensinam, a forma que os alunos aprendem e as relações entre adultos e crianças em cada sala de aula. Essas são especialmente difíceis de mudar. Por essas razões, segundo os preservacionistas, as escolas se adaptam às inovações tecnológicas para se ajustarem às crenças culturais predominantes e à escola com classificação etária.

Os otimistas cautelosos, no entanto, têm uma visão diferente dos mesmos fatos. Esse grupo demonstra muita paciência para tornar as escolas tecnologicamente modernas. As atenções estão voltadas ao lento crescimento dos “híbridos tecnológicos”, combinações criativas do “antigo” e do “novo” nas escolas e nas salas de aula. Esses híbridos de ensino focado no professor e no aluno, dizem os otimistas, são produtos pioneiros de um movimento que deve gerar escolas mais em sintonia com a sociedade em geral. Assim, as razões atuais para a inclusão desajeitada de máquinas de alta tecnologia nas escolas – poucos recursos para comprar máquinas, resistência e formação limitada dos professores, e pouco apoio administrativo – vão evaporar à medida que os híbridos se espalhem. É uma visão a longo prazo, em vez de meses ou anos. Embora eu ache a história do preservacionista convincente, estou mais inclinado à versão do otimista.

Na parte 2 deste artigo vamos retomar as promessas dos otimistas tecnológicos e como a escola adapta as novas tecnologias – em outras palavras, reforma as reformas educacionais – como sugerem os dois últimos cenários.

Tradução: Danilo Aguiar /Américo Amorim.

Robert Slavin: Evidência e política: se você quer fazer uma bolsa de seda, por que não usar… seda?

Robert Slavin: Evidência e política: se você quer fazer uma bolsa de seda, por que não usar… seda?

“Não se pode fazer uma bolsa de seda da orelha de uma porca”. Surgido nos Estados Unidos do século 16, o ditado significa que não dá pra criar algo de alta qualidade se a matéria-prima é de baixa qualidade. No entanto, na política educacional, constantemente tentamos chegar a ótimos resultados por meio de programas pedagógicos com pouca ou  nenhuma eficácia – mesmo quando há alternativas muito melhores e com amplo respaldo.

Veja que não estou criticando os(as) professores(as), eles(as) fazem o melhor que podem. O que me preocupa é a qualidade desses programas pedagógicos e de formação profissional que os professores recebem para ajudá-los a ter sucesso com os(as) alunos(as).

Um excelente exemplo disso é uma série de repasses financeiros, chamados de SIGs, feito pelo programa No Child Left Behind (NCLB), lei de responsabilidade educacional americana criada em 2002. Grandes volumes de recursos foram repassados às escolas de menor desempenho em vários estados. 

Durante a maior parte de sua existência, os SIGs exigiam que as escolas que buscavam financiamento escolhessem entre quatro modelos. Dois deles raramente eram escolhidos – fechamento (school closure) e a transformação da escola no modelo charter (escola privada que é paga pelo governo). Em vez disso, a maioria das escolas optou pelos modelos virada (substituindo o diretor e ao menos 50% da equipe) ou a mais popular, transformação (substituindo o diretor, usando dados para informar instruções, prolongando o dia ou o ano letivo, e avaliação de professores com base no crescimento dos resultados de seus alunos). 

No entanto, uma avaliação em larga escala do SIG feita pela consultoria Mathematica (em inglês) não mostrou benefícios para as escolas que receberam subsídios do SIG, em comparação com escolas semelhantes que não receberam. A SIG gastou mais de US$ 7 bilhões, uma quantia que nós aqui em Baltimore (EUA), pelo menos, consideramos muito dinheiro. A tragédia, no entanto, não é apenas o desperdício de dinheiro, mas também de tantas esperanças de melhorias significativas.

É aqui que entra a analogia da bolsa de seda/orelha da porca. As escolas que recebiam os SIG eram forçadas a escolher entre opções sem eficácia comprovada, algumas até mesmo ineficazes. Se não se tem evidências, por que esperar que os resultados sejam positivos?

Evidências sobre school closure mostram que essa estratégia diminui o desempenho do aluno por alguns anos, após os quais esse desempenho retorna para o ponto anterior. Uma pesquisa recente (em inglês) sobre escolas charter encontrou um efeito nulo (effect size) para charters. A exceção são escolas charter que usam a metodologia no excuses (“sem desculpas”). As escolas dos modelos “virada” e “transformação” exigem uma mudança de diretor, o que é caótico e, até onde sei, não há provas de que melhore o desempenho dos(as) estudantes. O mesmo acontece com a substituição de pelo menos 50% dos professores. Muito caos, nenhuma prova de eficácia. Verificou-se que os outros elementos necessários do modelo de transformação não têm impacto, como por exemplo fazer avaliações de benchmark para informar os professores sobre o progresso (Inns et al., 2019), ou pequenos efeitos, como prolongar o dia ou o ano escolar (Figlio et al., 2018).

O mesmo acontece com a substituição de pelo menos 50% dos professores. Muito caos, nenhuma prova de eficácia. Verificou-se que os outros elementos necessários do modelo de transformação não têm impacto, como por exemplo fazer avaliações de benchmark para informar os professores sobre o progresso (Inns et al., 2019), ou pequenos efeitos, como prolongar o dia ou o ano escolar (Figlio et al., 2018).

Mais importante, ao meu ver, é que ninguém nunca fez uma avaliação de todo o modelo de transformação, com todos os componentes incluídos. Não descobrimos qual era o efeito conjunto até o estudo feito pela consultoria. E adivinha só? Não dá para costurar uma bolsa de seda com orelhas de porcas.

Com uma fração dos US$ 7 bilhões, o Departamento de Educação dos Estados Unidos poderia ter encontrado e testado vários programas feitos com base em evidências científicas e, em seguida, oferecido às escolas SIGs os que funcionassem melhor. Uma seleção de bolsas de seda 100% pura. Não parece uma ideia melhor?

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Robert Slavin’s Blog: Por que não o melhor?

Nos próximos posts, falarei mais sobre como o governo federal americano poderia garantir o sucesso de iniciativas educacionais, permitindo que as escolas tenham acesso a recursos federais para adotar e implementar programas pedagógicos comprovados, criados para atingir os objetivos das nossas leis.

Referências

Figlio, D., Holden, K. L., & Ozek, U. (2018). Do students benefit from longer school days? Regression discontinuity evidence from Florida’s additional hour of literacy instruction. Economics of Education Review, 67, 171-183.

Inns, A., Lake, C., Pellegrini, M., & Slavin, R. (2019). A synthesis of quantitative research on programs for struggling readers in elementary schools. Available at www.bestevidence.org. Manuscript submitted for publication.

Tradução: Danilo Aguiar/Américo Amorim.