Olá! Tudo bem? Temos uma ótima notícia. Instituída na última quinta-feira (11), a Política Nacional de Alfabetização (PNA) vem com a proposta de combater os índices de analfabetismo no Brasil – tanto para quem não saber ler nem escrever (absoluto) quanto para quem tem baixa capacidade de leitura e compreensão (funcional). Segundo dados da Prova Brasil, 66% dos alunos brasileiros terminam o ensino fundamental sem o aprendizado mínimo desejado para a Língua Portuguesa. Nesse contexto, listamos cinco grandes avanços do documento – e outros dois que merecem a nossa atenção.
1. Incentivo ao uso de evidências científicas
A PNA deixa muito claro, já no primeiro artigo, que vem para melhorar o aprendizado de leitura e escrita com base em evidências científicas, assim teremos projetos que valorizem as descobertas feitas através de pesquisas. Poderemos criar estratégias que otimizem os recursos para alfabetização e tragam resultados mais efetivos para o aprendizado das crianças, como ressaltado pela especialista em políticas educacionais Ilona Becskehazy.
2. Escolas são livres para se adequar à PNA
A PNA institui que não é obrigatória: os municípios e demais entes governamentais poderão aderir à política se julgarem que os programas e projetos serão benéficos para suas escolas e estudantes.
3. Liberdade para escolher o método de alfabetização
Outro ponto positivo é que o documento não impõe que as escolas adotem um método de ensino específico. Pelo contrário, ela valoriza os vários métodos e indica os principais tópicos que devem ser trabalhados através deles para fortalecer o aprendizado das crianças. É uma maneira de respeitar a proposta pedagógica de cada rede escolar.
4. Abordagens reconhecidas no mundo todo
A Política Nacional de Alfabetização dá ênfase a seis tópicos essenciais para a alfabetização: consciência fonêmica; instrução fônica sistemática; fluência em leitura oral; desenvolvimento de vocabulário; compreensão de textos e produção de escrita. Com reconhecimento no mundo inteiro, os componentes trazem consensos científicos atuais sobre as melhores práticas educacionais para se aprender a ler e escrever desde a educação infantil.
5. Metas e avaliações de aprendizagem serão a regra
Em relação à implementação da PNA, os projetos que serão apoiados por ela terão metas claras de aprendizagem, o que é muito importante para que sejam efetivos. Ela também vai privilegiar o desenvolvimento e o uso de instrumentos de avaliação para acompanharmos a evolução dos alunos e se eles estão caminhando para atingir os objetivos.
O que vem por aí
Conforme notado pela educadora Claudia Costin, não existem menções direta à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no documento. Na visão de Ilona, o detalhamento dos objetivos de aprendizagem e demais detalhes da política ainda serão divulgados e devem contemplar a Base.
A política também define o uso de materiais didáticos de forma ampla, e nos próximos documentos serão especificados tanto os mais tradicionais, como livros e jogos tangíveis, como o uso de tecnologia (jogos digitais, por exemplo). Esses materiais digitais deverão estar aprovados pelo Guia de Tecnologias Educacionais, lançado pelo Ministério da Educação em 2018.
A Política Nacional de Alfabetização é o primeiro passo para fortalecer o aprendizado de leitura e escrita. Agora, é preciso que a sociedade – escolas, cientistas e empreendedores – se mobilize para desenvolver, implementar e avaliar projetos que sejam efetivos para as crianças. É hora de executar.
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Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Olá! No artigo de hoje, abordamos a importância de conhecer os aspectos antropológicos do aprendizado de leitura e escrita no Brasil. Compreender o povo e suas dinâmicas é essencial para criarmos abordagens pedagógicas construtivas e adequadas para todos. Esse texto também faz parte da série de publicações que produzi no meu doutorado na Johns Hopkins University.
Pontos principais Pais: sempre estimule seus filhos a ler e fazer as atividades escolares da melhor forma possível. Professores: busque trabalhar com textos que despertem o interesse e a motivação dos estudantes. Aqueles alunos mais difíceis são os que mais precisam de motivação e encorajamento. Gestores escolares: não autorizem práticas de dividir as turmas por habilidades. Se alguma criança estiver sendo excluída, pouco a pouco, é preciso intervir na situação e traçar ações para que ela volte a se motivar e se integrar com as atividades escolares.
Dentro dos problemas da educação brasileira, é preciso entender mais sobre o baixo desempenho no aprendizado de leitura e escrita na educação básica. De acordo com avaliações nacionais [1]:
66% dos alunos terminam o ensino fundamental sem o nível mínimo desejado para língua portuguesa; e
85% terminam o ensino médio sem aprender o mínimo esperado de matemática.
Essa questão atinge também o ensino superior, que conta com 50% de estudantes que são analfabetos funcionais [2]. Por isso, a proposta deste artigo é analisar os aspectos antropológicos e sociológicos da educação para apontar os principais desafios e caminhos que podemos seguir para melhorar a alfabetização no Brasil. Também foram investigadas as atividades em sala de aula e as normas culturais que afetam as escolas.
O aprendizado de leitura e escrita na visão da Antropologia
Analisando os fundamentos sociológicos e antropológicos da educação, inicialmente encontramos estudos com foco na alfabetização dos adultos [3]. Uma pesquisa recente aborda o retorno do interesse dos antropólogos pela educação popular, como por exemplo a educação de jovens e adultos [4]. Há ainda textos que mostram um pouco mais do universo dos analfabetos e como eles se desdobram para participar das atividades sociais, mesmo sem ter o domínio da linguagem escrita que é exigido pela sociedade [4].
Outros estudos abordam as práticas orais e escritas na alfabetização brasileira [6]. A forma como escrevemos pode não ser a mesma em todos os lugares e épocas: ela influencia (assim como é influenciada por) questões pessoais e sociais. Isso acontece porque existem vários tipos de linguagem escrita, e diferentes grupos sociais podem interpretar o mesmo texto de maneiras diferentes.
Ainda precisamos pesquisar e aprender muito sobre como o analfabetismo vem abrindo espaço para a cultura escrita [6]. Termos essa consciência é importante para entender que a escrita e o analfabetismo não estão em lados opostos do aprendizado.
Letramento nos primeiros anos de alfabetização
Somente ensinar alguém a ler e escrever (alfabetizar) não é suficiente para desenvolver cidadãos letrados. Prova disso é um estudo feito em uma escola pública com uma turma do primeiro ano do Ensino Fundamental, durante 47 dias. O professor dessa turma entregou textos aos alunos para que eles conhecessem na prática a linguagem escrita, um avanço em relação aos métodos tradicionais de alfabetização.
Apesar disso, as crianças não chegaram a trabalhar com gêneros textuais variados, muitas vezes apenas memorizavam os mesmos textos. As tarefas da classe eram copiar palavras e sílabas, e o aprendizado sobre o uso desses textos na vida em sociedade (letramento) ficou em segundo lugar. Os estudantes não se tornaram letrados – em vez disso, estavam apenas aprendendo a traduzir sons em textos [7].
Uma outra pesquisa encontrou um fato interessante: a busca pela uniformidade [8]. A escola analisada separava os alunos em turmas “fracas” e “fortes”, de acordo com o desempenho deles em testes e questões subjetivas.
Ao analisarem a trajetória de cinco turmas escolares, as pesquisadoras construíram o conceito de “exclusão escolar oculta” [9]. Esta exclusão aparece em algumas falas, gestos e olhares entre professores(as) e alunos(as) quando a escola segrega, abandona e praticamente elimina alunos que não se enquadram nos padrões.
Esses(as) professores(as) costumam ignorar a cultura, as reflexões e até mesmo o interesse dos alunos em participar mais do dia-a-dia da escola. Os estudantes devem simplesmente aprender o conteúdo – em silêncio.
Nesta pesquisa, temos dados interessantes sobre o baixo desempenho dos alunos em processo de alfabetização. O primeiro é que os(as) professores(as) deixaram os padrões de lado. Por exemplo: apesar de os alunos terem livros escolares atuais, certos(as) professores(as) com costumes mais tradicionais ignoravam esses materiais [7].
Progressão automática + segregação + exclusão escolar oculta: combustível explosivo para o baixo nível de aprendizado e a evasão escolar
A Antropologia pode fornecer insights poderosos sobre como as relações e organizações sociais afetam o problema do aprendizado de leitura e escrita no Brasil.
Em relação aos(as) professores(as), é preciso entender por que eles(as) muitas vezes acham inadequado utilizar os novos métodos de ensino. Seria uma questão de falta de familiaridade com estas estratégias pedagógicas diferentes? Falta de motivação por não acreditar nos resultados? Comodismo? Um amplo estudo etnográfico poderia responder a essas questões, muito úteis para a formação de políticas públicas voltadas ao fortalecimento do aprendizado.
Outro ponto chave nessa discussão é o termo “letramento”. Os alunos não estão se tornando letrados, mas os(as) professores(as) e as famílias de baixa renda entendem isso? Os profissionais brasileiros são letrados ou apenas alfabetizados? Com essas perguntas, podemos entender o tamanho real do problema.
Também precisamos falar da segregação dos alunos. O próximo passo seria discutir se separar grupos de estudantes por notas é justificável ou se apenas ajuda os(as) professores(as) a lidar com turmas mais uniformes. Isso tende a deixar o trabalho mais fácil, em classes de baixo desempenho; eles podem dedicar menos esforço e exigir menos de seus alunos, o que pode resultar em um menor nível de aprendizado.
Essa segregação só torna o aprendizado mais difícil para os alunos com baixa escolaridade, além de incentivar uma certa indiferença nos(as) professores(as), o que pode afetar seu desempenho em aulas que exijam uma alta dedicação.
A exclusão escolar oculta é provavelmente um dos piores problemas das escolas brasileiras, porque parece ter raiz no que pode ser considerado o pior aspecto da nossa cultura, que é o “jeitinho brasileiro”. “jeitinho” não significa “fazer um favorzinho para alguém” ignorando algumas tarefas burocráticas. Nesse caso, “jeitinho” que dizer ocultar um processo de segregação grave. Poucos professores admitem que simplesmente desistem de uma parte de seus alunos. Esse processo gera sérios efeitos para as crianças.
Por conta das políticas educacionais brasileiras, é praticamente impossível um aluno brasileiro não passar de ano. Mesmo reprovado, o estudante passa para a próxima série e deveria participar de um programa de recuperação – que em muitas escolas existe apenas no papel.
As crianças segregadas não aparecem nas estatísticas de retenção porque elas avançam exatamente como os outros alunos. O problema é que elas não aprendem nem o básico, então quando enfrentam uma avaliação externa, por exemplo a Prova Brasil no quinto ano, não conseguem atender aos requisitos mínimos. Essa estrutura complexa (exclusão + progressão automática) acaba restringindo as chances do estudante de avançar e conviver em sociedade.
Por fim, mais um ponto a ser analisado é o ambiente familiar. Uma pesquisa antropológica pode descobrir se, aqui no Brasil, existem padrões de linguagens diferentes em famílias de classes sociais diferentes – caso parecido com uma ampla pesquisa feita com crianças norte-americanas [10]. Entender essas e diversas outras questões é indispensável para compreendermos os processos de alfabetização no país, e assim desenharmos políticas públicas e estratégias didáticas para superar o baixo nível de aprendizado de leitura e escrita.
Referências R
[1] Qedu. (2015). Aprendizado dos alunos: Brasil. Disponível em: http://goo.gl/R6BX3w
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Brasília, DF: Rede Globo. Disponível em: http://goo.gl/8n6ACD
[3] Cipiniuk, T. A. (2014). Levantamento
temático em Cadernos de Pesquisa: processos de alfabetização e analfabetismo. Cadernos de Pesquisa, 43(150), 1026-1041.
[4] Lovisolo, H. (1988). A educação de adultos
entre dois modelos. Cadernos
de Pesquisa, (67), 23-40.
[5] Garcia, M. (1990). Um saber sem escrita:
visão de mundo do analfabeto. Cadernos de Pesquisa, (75), 15-24.
[6] Magalhães, S. M. D. C. (2012). Oralidade e Cultura Escrita
na Abordagem da História da Alfabetização. O público e o privado, (2).
[7] Macedo, M. D. S., & Almeida, A. C.
(2013). Alfabetização de crianças de seis anos e a ampliação do Ensino
Fundamental: um estudo de caso. Educação
em Foco, 16(22),
119-141.
[8] CARNEIRO, F. H. P. (2006). Caminhos da alfabetização em Minas
Gerais: um olhar etnográfico para o ciclo inicial de alfabetização. (Masters
dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
[9] Picetti, J. S., & Real, L. M. C.
(2008). A relação entre os saberes comunitários e os conteúdos escolares no processo
de alfabetização.Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa, 2(3), 10-23.
[10] Hart, B., & Risley, T. R. (2003). The
early catastrophe: The 30 million word gap by age 3. American Educator, 27(1),
4-9.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Neste artigo, falamos sobre como a gente precisa se aprofundar na história da alfabetização e do letramentono Brasil para criar estratégias de aprendizagem para o presente e o futuro. Este é mais um artigo de uma série de textos que elaborei no meu doutorado na Johns Hopkins University. Aproveite a leitura!
Pontos principais Pais: conhecendo a história do ensino de leitura e escrita podemos conversar melhor com as professoras sobre o aprendizado de nossos filhos. Gestores: milhões de estudantes brasileiros abandonam as escolas ou não estudam pois dizem que as aulas são “desinteressantes”. Entender como chegamos na educação atual pode nos ajudar a traçar estratégias didáticas mais atrativas, cativando os alunos. Professores: a escola deve compreender quais os fatores têm maior influência sobre a motivação e o engajamento dos estudantes e das famílias e, assim, trabalhar para diminuir a evasão.
Desafios da educação no Brasil
A educação básica do Brasil está em uma situação complicada. A maioria das crianças não aprende o mínimo desejável, colocando o país entre os de menor desempenho em avaliações internacionais [1]. Além disso, a taxa de evasão escolar é de 25%, a terceira maior do mundo. Milhões de estudantes abandonam nossas escolas todos os anos reclamando de que a educação fornecida é desinteressante [3].
De acordo com avaliações nacionais [2]:
66% dos alunos terminam o 9º ano sem aprender o mínimo necessário em portugês;
85% dos alunos terminam o 9º ano sem aprender o mínimo esperado em matemática.
Esse problema se estende até o ensino superior, onde estimativas indicam que 50% dos estudantes são analfabetos funcionais [4].
Sem aprender a ler e escrever bem desde cedo, uma criança jamais irá dominar as outras áreas do conhecimento. Por isso, precisamos nos aprofundar sobre os desafios da alfabetização no Brasil. Esta análise histórica busca determinar os fatos e processos que nos levaram a esse baixo aproveitamento dos alunos no ensino fundamental e no ensino médio.
Uma breve história sobre a alfabetização no Brasil
Os primeiros registros sobre a educação brasileira datam de 1554, a época dos jesuítas e do período colonial. Em 1759, quando os padres foram expulsos do país, suas escolas tinham matriculado menos de 0,1% da população [5]. As primeiras tentativas de organizar a educação do país começaram em 1876 e coincidiram com os movimentos pela formação da República. Esse período foi marcado pela implementação dos primeiros métodos de ensino de leitura, com base em abordagens sintéticas como o método alfabético [6].
A segunda fase da alfabetização no Brasil começou em São Paulo depois de 1890, com professores que defendiam a importância da pedagogia (o “como” se ensina) e dos métodos analíticos. Essa visão moderna gerou uma disputa acirrada entre esse grupo e os adeptos das abordagens mais tradicionais (sintéticas) [6]. O termo “alfabetização” foi criado mas o foco permaneceu em ensinar os alunos a ler, a escrita ainda estava muito ligada à caligrafia [6].
A terceira fase da alfabetização começou por volta de 1920, quando os professores começaram a rejeitar abertamente os métodos analíticos que se tornaram obrigatórios na segunda fase [6]. Foi nesse período em que nasceram os métodos mistos e os testes ABC para medir o desempenho dos alunos [7].
No entanto, uma das mudanças mais fortes foi que a pedagogia ficou cada vez mais dependente dos aspectos psicológicos (“para quem ensinamos”). Esse embate entre os diferentes métodos, a mistura entre “antigo e novo” e a sensação de fragilidade são questões importantes que podem ter influência nos níveis atuais de desempenho dos alunos.
Com início em 1980, a quarta fase da alfabetização brasileira foi marcada por mudanças sociais e políticas que resultaram na restauração da democracia [6]. Nesse período, surgiu o construtivismo, um paradigma muito diferente da tradição behaviorista.
A desvantagem da difusão da perspectiva construtiva foi que ainda não havia um método de ensino-aprendizagem estruturado A ausência de um método estruturado ainda está presente em nossas escolas [8] e deve ser um dos fatores que causa o baixo desempenho dos estudantes de hoje.
Na década de 1990, o sistema educacional brasileiro cresceu e se tornou cada vez mais universalizado. A intenção era permitir que o Brasil fosse competitivo em um contexto globalizado e digital.
O acesso à escola em todos os níveis de educação aumentou consideravelmente, e o país pôde dizer com orgulho que quase todas as crianças já estavam na escola. Apesar de termos conseguido matricular praticamente todas elas, passamos a notar que não estavam aprendendo o suficiente. Essa conjuntura é bastante parecida com a situação atual de nossas escolas [5].
A formação de professores(as) brasileiros(as) e a alfabetização
Para entender a realidade dos educadores, é preciso ter uma visão geral de como o país trabalhou para fornecer uma formação para esses profissionais desde a primeira escola para professores, fundada em 1684 [9]. Num certo momento, essa formação foi “dividida” em duas visões.
De um lado, um modelo mais conteudista, que dá preferência à bagagem cultural do(a) futuro educador(a) e aos conhecimentos específicos da disciplina que escolheu (português, matemática, ciências, etc). De outro lado existe um modelo pedagógico, que valoriza as estratégias de ensino em si. As universidades brasileiras, no decorrer da história, focaram mais no conteúdo e deixaram em segundo plano o “como ensinar”.
Uma abordagem interessante que pode ser utilizada para unir o conteúdo e as abordagens pedagógicas na formação superior dos professores pode tomar como ponto de partida os materiais didáticos usados nas escolas [10].
Os materiais didáticos, como os livros didáticos tradicionais e as novas tecnologias que estão sendo difundidas nas escolas, podem ser aliados à formação docente. Analisando os aspectos pedagógicos desses textos, os(as) graduandos(as) poderiam relembrar o que já haviam aprendido nas outras disciplinas da graduação (o conteúdo) e, ao mesmo tempo, discutir formas de aplicar diferentes estratégias pedagógicas no dia-a-dia enquanto professores(as).
Livros didáticos para alfabetização
Analisando a evolução dos livros didáticos voltados ao ensino de leitura para crianças, podemos aprender muito sobre a situação atual de nossas escolas. A partir de 1890 surgiram as cartilhas, que foram cada vez mais utilizadas e logo se tornaram fundamentais para a disseminação dos diferentes métodos de ensino propostos no decorrer do tempo [11].
As cartilhas também serviram para moldar o conteúdo que deveria ser ensinado e, no final, estabeleceram conceitos importantes sobre aprendizado de leitura e escrita, cujos objetivos e utilidades passaram a fazer parte das escolas [11]. Análises dos livros didáticos mais recentes indicam que eles ainda apresentam algumas das características das cartilhas originais [11].
Esse é um ponto importante para a alfabetização: se os livros didáticos são um componente-chave do arsenal de ferramentas dos professores, eles podem ser uma das causas ou parte da solução dos baixos índices no aprendizado de leitura e escrita nas escolas brasileiras.
A evolução dos métodos de alfabetização
Diferentes propostas pedagógicas para o ensino de leitura e escrita foram introduzidas ao longo das décadas [12]. Em cada época, diferentes grupos surgem com suas próprias visões sociais e políticas, cada um deles oferecendo uma versão do que seria a solução perfeita para o problema do baixo desempenho das escolas brasileiras.
Quando um grupo assim surge, ele geralmente defende um método de ensino revolucionário, baseado nas “mais recentes descobertas científicas”. Conceitos como “antigos” e “tradicionais” passam a ser usados para atacar as propostas anteriores, que são colocadas como frágeis em relação aos novos métodos – esses sim inovadores e cheios de vantagens.
Definindo alfabetização e letramento
A palavra “letramento” foi introduzida por volta de 1980 no Brasil, na França (illettrisme) e em Portugal (literacia) para definir práticas sociais de leitura e escrita que decorrem do processo de aprendizagem da leitura e escrita [8].
Letramento é “um estado ou condição que um grupo social ou um indivíduo adquire como consequência de ter dominado a escrita e suas práticas sociais” [13] (p. 4). Esse termo contrasta fortemente com alfabetização, que significa ter aprendido a ler e a escrever.
Resumindo, letrado é alguém que aprendeu a ler e escrever (alfabetizado) e usa essas habilidades para se envolver em atividades que o integram à sociedade. Isso inclui ler diversos tipos de textos, desde notícias simples a romances complexos, escrever bilhetes simples, uma carta, um ensaio ou até mesmo uma dissertação.
O construto letramento é interessante para se analisar o problema do baixo nível de aprendizado de leitura e escrita nas escolas brasileiras. As pesquisas no Brasil podem estar dizendo que uma certa parcela da população não é alfabetizada, mas na realidade avaliando se essas pessoas são letradas. Assim, precisamos definir qual é o objetivo real das nossas escolas. Queremos alfabetizar? Alfabetizar e letrar?
Outro aspecto importante é que, com a revolução digital (ex: smartphones, apps e mídias sociais), o uso da linguagem escrita está aumentando dramaticamente para as classes de renda mais baixa. Isso é importante porque permite que elas leiam e participem mais das práticas letradas, mas traz alguns desafios – principalmente em relação às suas imagens pessoais e profissionais, quando cometem erros de compreensão e grafia.
Aparentemente, o objetivo do sistema educacional brasileiro deve ser ensinar aos alunos a ler e escrever (alfabetização) e garantir que façam o uso social dessas habilidades (letramento). É necessário trabalharmos para que estas duas habilidades sejam atingidas por todos os estudantes.
[2] Qedu. (2015). Aprendizado dos alunos: Brasil. Retrieved from http://goo.gl/R6BX3w
[3] Neri, M. (2009). Motivos da evasão escolar. Brasília: Fundação Getulio Vargas.
[4] Globo. (2012, November 26). DFTV 2ª Edição. Brasília, DF: Rede Globo. Retrieved from http://goo.gl/8n6ACD
[5] Marcílio, M. L. (2005). História da escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Instituto Fernand Braudel.
[6] Mortatti, M. D. R. L. (2006). História dos métodos de alfabetização no Brasil. Portal Mec Seminário Alfabetização e Letramento Em Debate.
[7] Monarcha, C. (2008). “Testes ABC”: origem e desenvolvimento. Boletim-Academia Paulista de Psicologia, 28, 7-17.
[8] Soares, M. (2004). Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, 25, 5-17.
[10] Saviani, D. (2009). Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista brasileira de Educação, 40, 143.
[11] Mortatti, M. D. R. L. (2000). Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular. Caderno Cedes, 52, 41-54.
[12] Mortatti, M. D. R. L. (2009). A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil: contribuições para metodizar o debate. Acolhendo a alfabetização nos países de língua portuguesa, 3, 91-114.
[13] Soares, M. (1998). O que é letramento e alfabetização. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Hoje, a gente traz mais um artigo cheio de insights e com diferentes perspectivas sobre o crescimento e o aprendizado. Ele também faz parte de uma série de textos que produzi no meu doutorado na Johns Hopkins University. Boa leitura!
Pontos principais Pais: proponham sempre novos desafios para que sua criança adquira novas habilidades. Gestores: é importante que os gestores tenham informações atualizadas e claras sobre como está o desenvolvimento de cada uma das suas turmas, nos objetivos de aprendizagem da BNCC. Professores: identificar as habilidades que os alunos já possuem e sempre propor novos desafios para que eles possam desenvolver novas experiências e conhecimentos
Uma visão geral da Teoria Cognitiva
As teorias cognitivas surgiram quando os pesquisadores behavioristas passaram a ter problemas por não conseguirem explicar todas as ações dos humanos, que são seres complexos [1]. A perspectiva cognitiva entende que os humanos não são apenas entidades que respondem ao ambiente (visão behaviorista). Para as teorias cognitivas, nós humanos agimos para atingir nossos objetivos e, para isso, buscamos informações ativamente.
A visão da ação cognitiva também se aplica a crianças, e as entende como aprendizes que são capazes de definir seus objetivos, planejar suas ações e revisar seus conhecimentos. Ou seja, as crianças criam buscam e organizam seus conhecimentos e artefatos.
Dentro desta perspectiva, o comportamento humano não é atribuído a causas internas, como afirma a teoria psicodinâmica e de traços. As pessoas são movidas por estímulos ambientais, fatores pessoais e fatores comportamentais. Nossas ações surgem a partir da interação entre estes três tipos de estímulos, sintetizados no modelo que foi chamado pelo pesquisador Albert Bandura de reciprocidade triádica.
Várias abordagens teóricas foram desenvolvidas com base na perspectiva cognitiva para explicar e prever o comportamento humano e a aprendizagem. As teorias de processamento de informações são bons exemplos.
Teorias cognitivas
Para explicar como as
pessoas aprendem, as teorias cognitivas usam conceitos como atenção, percepção,
memória de curto e longo prazo, modelo de memória de dois armazenamentos,
níveis de profundidade de processamento e nível de ativação [3].
Uma parte importante do aprendizado é a capacidade do indivíduo de monitorar seus esforços cognitivos, incluindo memória e compreensão. Tais habilidades afetam como ele conduz suas ações para completar seus objetivos, com base no conhecimento metacognitivo (aprender sobre como ele aprende) e experiências anteriores [4].
Conhecimento já adquirido e experiências prévias também influenciam a capacidade de resolução de problemas do estudante. Nesse sentido, crianças que vivenciaram mais experiências e já acumularam uma base maior de conhecimento tendem a ter uma maior capacidade para resolver problemas do que outras da mesma idade, por estar em uma zona de desenvolvimento proximal diferente [5].
A zona de desenvolvimento proximal de Lev Vygotsky
A zona de desenvolvimento proximal é um conceito interessante para o estudo das habilidades de leitura e escrita. Nela, o educador precisa descobrir a capacidade atual do aluno (por exemplo, ler palavra por palavra) e então supor os níveis mais altos de tarefas que ele conseguirá realizar sob orientação (por exemplo, ler pequenas frases). Essa é a zona de desenvolvimento proximal, a faixa de atividades que podem ser feitas e que serão úteis para o estudante para avançar no aprendizado [6].
Assim, os designers instrucionais, os (as) educadores (as) que criam jogos didáticos, currículos e sequências didáticas devem ter como objetivo permitir que o aluno alcance os níveis superiores da sua zona de desenvolvimento proximal, para que, sob orientação, cumpra as tarefas mais desafiadoras de que é capaz. “À medida que uma nova habilidade ou conceito é dominado, o que uma criança um dia pode fazer apenas com assistência, logo se torna seu nível de desempenho independente” [7].
Quando isso acontece, significa que a zona de desenvolvimento proximal da criança se deslocou para cima e, nesse caso, o processo é reiniciado com o (a) professor(a) propondo um desafio mais alto para que a criança se esforce e avance para o seu próximo nível.
Esse processo ocorre desde cedo, quando os (as) cuidadores (as) “direcionam a atenção das crianças para pontos críticos dos acontecimentos, comentam sobre aspectos que devem ser observados pelas crianças” e, de maneira geral, ajudam as crianças a estruturar e compreender as informações que estão recebendo do ambiente que as rodeia [1].
É importante notar que o desenvolvimento do aluno não deve depender apenas do que o (a) professor (a) determina. O aluno deve se tornar capaz de liderar seu aprendizado.
Por isso, é essencial incentivar as habilidades metacognitivas em que o estudante começa a refletir sobre o que ele faz para aprender e os resultados que está obtendo. Aprender a aprender é um processo muito importante, que deve ser estimulado pelos professores (as) e famílias [1].
Teorias cognitivas na alfabetização
Infelizmente, a maioria dos estudantes das escolas brasileiras não atinge as metas de aprendizado de leitura e escrita até o 3º ano (período oficial da alfabetização). A perspectiva cognitiva pode fornecer informações valiosas para entender e atuar sobre esse problema. Usando o conceito de zona de desenvolvimento proximal, podemos dividir esse desafio em dois momentos.
O primeiro deles é a zona de desenvolvimento proximal das criançasantes de entrar na escola, desenvolvida nos primeiros anos por suas interações com familiares e cuidadores. Esse é um conceito importante para a avaliação do aproveitamento do aluno na alfabetização porque se relaciona diretamente com a zona de desenvolvimento proximal em potencial no final da terceira série.
Se o aluno entrar na escola com fortes habilidades linguísticas (por exemplo, vocabulário amplo), ele provavelmente vai atingir as metas de aprendizado. Uma prática interessante que pais, cuidadores e educadores de creches podem implementar para fortalecer a zona de desenvolvimento proximal crianças é chamada de escrita assistida (scaffolded writing).
Na escrita assistida, as crianças são orientadas a pensar e planejar o que irão escrever, depois desenham e só então escrevem. A etapa final pode ocorrer com vários tipos de escrita, como na escrita espontânea. Esta prática foi avaliada em diversas pesquisas como bastante efetiva no desenvolvimento da capacidade de leitura e escrita.
No entanto, os estudantes que chegam a escola com uma zona de desenvolvimento proximal menos desenvolvida terão que passar por um processo de aprendizado mais intensivo, a fim de alcançar as metas de aprendizado até a terceira série. Isso provavelmente envolverá vários ciclos de aprendizado para elevar a sua zona de desenvolvimento até um nível similar a dos alunos que já entraram na escola com habilidades mais desenvolvidas e mais experiências prévias.
Próximos passos
A partir dos conceitos citados, podemos argumentar que o (a) professor (a) precisa descobrir a zona de desenvolvimento proximal de seus alunos logo no começo das aulas. Se um aluno exibir um desenvolvimento abaixo do esperado, o (a) professor (a) terá que criar uma sequência de desenvolvimento específica para esse aluno.
Para alcançar o sucesso, essa trajetória de aprendizado pode exigir diferentes estratégias, incluindo algumas táticas metacognitivas, como parafrasear os outros e ensaiar o que irá falar [3]. No entanto, nas escolas do mundo real, os (as) educadores (as) enfrentam múltiplos desafios.
Embora muitas práticas e sugestões oferecidas pelas abordagens cognitivas possam auxiliar estudantes e professores (as), muitas delas não são fáceis de implementar. Na maioria das vezes, pelo menos no Brasil, um professor tem que trabalhar com 15, 20 e até 30 alunos em uma aula, sem assistente.
Se considerarmos a
educação tradicional [8], em que uma sala de aula padrão é composta de
cadeiras, mesas, quadro negro e o professor, pode-se argumentar que oferecer
uma educação personalizada é um desafio colossal, provavelmente impossível.
No entanto, é importante notar que não apenas estudantes e adultos podem servir como assistentes. Os celulares e tablets também podem ajudar a desenvolver a zona de desenvolvimento proximal usando aplicativos especialmente desenvolvidos para esses empreendimentos.
As práticas metacognitivas orientaram o desenvolvimento de alguns desses aplicativos, ajudando o aluno a compreender seus próprios passos no processo de aprendizagem, promovendo a autonomia.
Associadas a técnicas avaliativas, tais abordagens podem proporcionar experiências metacognitivas que impulsionam a motivação e a autoeficácia. Há casos em que o uso de aplicativos para auxiliar os alunos dentro de sua zona de desenvolvimento proximal, com estratégias metacognitivas, foi capaz de fortalecer a leitura e a escrita [9].
Outro exemplo de tecnologia de sucesso no processo de aprendizado de leitura e escrita é o aplicativo Escribo Play. Em uma pesquisa experimental de grande porte (disponível aqui), com 749 crianças, foi identificado que as turmas que utilizam os jogos deste aplicativo fortalecem o aprendizado de leitura em 68% e o de escrita em 48%.
Referências
[1] Bransford, J. D., Brown, A. L., &
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[5] Vygotsky, L., Hanfmann, E., &
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Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Aqui na Escribo, nós nunca duvidamos do potencial das crianças. Uma pesquisa que ainda vai ser publicada identificou que crianças de cinco anos que usaram jogos de simulação nas aulas aprenderam conceitos de ciência com mais facilidade.
Pontos principais
Pais: jogos de simulação podem ajudar seu filho a desenvolver o senso crítico, a capacidade de observar, a seguir etapas e o processo de experimentação.
Gestores: as famílias valorizam atividades educativas que despertem a criatividade e trabalhem o conhecimento na prática, como as que são feitas nos simuladores. Eles ajudam a dar visibilidade para a educação inovadora da escola.
Professores: com os aplicativos educativos de simulação, as crianças tiveram mais facilidade para tirar dúvidas, fazer sugestões e aprender o conhecimento científico. Portanto, essa aprendizagem significativa tende a fortalecer o interesse, o foco e a curiosidade dos estudantes.
O objetivo do estudo era entender de que formas os simuladores poderiam fortalecer o aprendizado do conhecimento científico. Além disso, os pesquisadores também queriam saber se os simuladores estimulavam habilidades importantes como a capacidade de reflexão e o domínio de conceitos abstratos.
Como foi feita a pesquisa
Três professoras acompanharam 38 crianças durante quatro semanas. Em pares, as crianças se divertiram com jogos de simulação que propunham desafios sobre circuitos elétricos (ex: em série, paralelos, correntes e resistência).
Além do desempenho nas tarefas, o estudo também considerou os comentários feitos pelas crianças sobre as atividades propostas – se elas gastavam mais tempo descrevendo o que faziam, refletindo sobre a tarefa ou fazendo experiências e exercitando a criatividade.
Os pesquisadores descobriram que as crianças aprenderam com mais facilidade porque puderam observar, experimentar na prática e refletir sobre as similaridades e diferenças entre as várias tarefas que foram desenvolvidas nos simuladores. Para saber mais, acesse o artigo científico.
Esta pesquisa é importante porque demonstra como os jogos e simuladores fortalecem o aprendizado. Ao mostrar que as crianças observam, experimentam e refletem sobre o que fazem dentro dos jogos, a pesquisa desconstrói a ideia de que as crianças, ao jogar, apenas praticam o simples “erro e acerto”.
Ou seja, o feedback que é oferecido pelos jogos de simulação é capaz de desencadear processos metacognitivos. Em outras palavras, o estudante progressivamente torna-se mais capaz de entender como ele próprio aprende, ganhando autonomia para liderar o seu próprio desenvolvimento.
Aqui no blog da Escribo sempre publicamos conteúdos relevantes sobre inovações educacionais. Então, não deixe de nos acompanhar!
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
Nesse último final de semana eu recebi a visita de um grande amigo meu que fez doutorado em Oxford. Um cara super inteligente. Ele mora em Brasília e me contou que um colega dele está com um problema com o filho. A criança tem 4 anos e até agora não consegue se comunicar bem. Não fala, e tem problemas de socialização na escola.
O que ele me contou foi que os pais dessa criança também tem um comportamento um pouco diferente. Não se comunicam muito com o filho. Eu comentei com ele de um estudo que li durante o doutorado sobre uma pesquisa de grande porte feita nos Estados Unidos a respeito de como funciona a aquisição da linguagem nas crianças e resolvi fazer um vídeo explicando um pouco melhor sobre ela. Abaixo você pode conferir a transcrição completa dele.
Essa pesquisa foi feita por Betty Hart & Toddy R. Risley, dois estudiosos que focavam em intervenções para melhorar o trabalho dentro de sala de aula. Eles fizeram uma série de estudos e o ganho que eles tinham de aprendizado com as crianças na pré-escola (educação infantil) era muito pequeno. Eles passaram então a investigar o que podia ser feito além da sala de aula, para facilitar a alfabetização das crianças.
Eles foram então acompanhar a vida de 42 famílias: 13 famílias de alta renda, 10 famílias de classe média e 19 famílias de classe mais baixa. Os pesquisadores passaram um mês dentro da casa dessas pessoas acompanhando crianças de 7 meses até três anos de idade. Eles registravam tudo o que acontecia com gravadores de som e depois levavam para analise no laboratório.
O estudo – que levou vários anos para ser feito – foi publicado em 2003 e os pesquisadores identificaram alguns dados bem interessantes. Por exemplo, na análise que foi feita dessas gravações, das centenas de horas de diálogos entre os pais e as crianças tanto em casa ou quando saíam pra fazer alguma atividade, eles descobriram que de 86 a 98% da palavras que eram usadas pelas crianças aos três anos de idade eram palavras que eram faladas pelos pais.
Eles também descobriram que a duração das falas e o padrão do que era falado pelas crianças também era exatamente igual ou muito parecido com o que aqueles pais falavam. Mas o principal ponto da pesquisa foi a descoberta de que em famílias de alta renda cada criança escutava, recebia através do relacionamento com as pessoas que estavam ao redor dela, com os pais, avós ou pessoas que trabalhavam naquela casa cerca de 2153 palavras por hora.
As crianças da classe média, por sua vez, escutavam 1251 palavras por hora ou seja 1.000 palavras a menos. E nas famílias mais pobres as crianças só escutavam 616 palavras por hora. Eles resolveram então investigar além da quantidade de palavras que essas famílias falavam com as crianças o conteúdo do que era dito.
Uma das variáveis que eles observaram foi o nível de incentivo e o de repreensão que esses pais tinham com as crianças, ou seja, se quando a criança fazia alguma atividade o pai incentivava, apoiava ou se o reclamava, repreendia aquela criança para não fazer mais aquilo.
Foi quando identificaram outra relação interessante. Em famílias de alta renda para cada seis incentivos que a criança recebia, ela sofria uma repreensão. Ou seja, ela fazia seis coisas que os pais achavam interessante e incentivavam, para cada uma besteira em que o pai dizia “não, não faça isso”. Na classe média ao invés de 6 para 1 essa relação caiu de 2 incentivos para uma repressão, ou seja, a criança ainda fazia duas vezes mais coisas bacanas para os pais do que coisas que os eles repreendiam.
O contraste total foi na classe mais baixa. Nas famílias mais pobres as crianças recebiam em média duas reclamações para cada incentivo. De modo que na classe alta as crianças eram muito incentivadas a fazer suas atividades, muito encorajadas; na classe média esse encorajamento era um pouco menor, mas ainda positivo (dois incentivos para cada reclamação) e na classe baixa basicamente o que os pais mais faziam era reclamar com as crianças, com duas reclamações para cada incentivo.
A conclusão final do estudo foi que as habilidades que uma criança tem em linguagem aos 3 anos indicam estatisticamente as habilidades que que essa criança vai ter lá na frente aos 9, 10 anos. Ou seja, na educação infantil se uma criança com dois ou três anos tiver um bom vocabulário e facilidade em comunicação, ela tende a a ter notas melhores em português, literatura e redação no futuro.
O grande segredo revelado pela pesquisa foi que a escola sozinha não vai conseguir formar leitores e escritores. Os pais precisam ajudar na formação dos leitores dos jovens escritores desde que a criança nasce.
Então ali na barriga da mãe já é importante que a família já fale com o bebê. E assim que a criança nascer sempre falar muito com ela, mesmo que ela não responda. Você fala e dá um tempo pra que ela possa responder. No começo ela não vai responder porque não sabe fazer sons, não sabe falar, mas ela já vai esboçar reações e se acostumar com o fluxo do diálogo: alguém fala ela, ela responde, alguém fala ela responde.E a medida que a criança for ficando maior incentivá-la a falar e a fazer suas atividades.
Então esse estudo, concluindo, observou que que existia uma diferença de 30 milhões de palavras entre as crianças de 0 a 3 anos de famílias mais ricas e as crianças de famílias mais pobres. E é essa diferença nessa faixa etária que determina em grande medida o sucesso daquele aluno na escola no futuro.
Nesse sentido, nós como educadores, precisamos incentivar as mães e os pais das crianças da educação infantil a conversar bastante com seus filhos, o máximo possível. E dentro de sala de sala de aula temos que desenvolver atividades para crianças de 1, 2 e 3 anos que foquem o máximo possível em conversação, incentivando-as a falar e se expressar. Quanto mais atividades nesse sentido forem desenvolvidas melhor vai ser o vocabulário dela e maior sua performance futura na alfabetização e séries posteriores.
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
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