Um dos tópicos mais debatidos dentro da comunidade da Ciência da Leitura tem sido se devemos ou não ensinar habilidades de consciência fonêmica (CF) com letras ou sem letras. Em 2001, o National Reading Panel dos Estados Unidos fez uma meta-análise com 52 pesquisas sobre consciência fonêmica e determinou que “ensinar crianças a manipular fonemas usando letras teve efeitos maiores do que ensinar sem letras”. [1]. De fato, eles descobriram que ensinar CF com as letras, em média, teve para o aprendizado de leitura um tamanho de efeito de 0,68, enquanto ensinar sem letras registrou 0,38.

Da mesma forma, ensinar CF usando as letras teve um tamanho de efeito médio de 0,61 no aprendizado de ortografia, enquanto sem letras registrou 0,34. E ainda mais chocante: estimular a CF com letras teve um tamanho de efeito médio de 0,89 no aprendizado da própria CF – sem as letras, 0,81. Ensinar CF com o apoio de letras é superior de todas as formas.

Além disso, essas diferenças são quase o dobro nos estudos sobre leitura e escrita. O relatório do NRP deixou bem claro que a CF deve ser ensinada com letras. Como diz o pesquisador Stephen Parker [2], o relatório afirma “pelo menos 15 vezes: o treinamento da consciência fonêmica deve consistir em mesclar e segmentar – e isso deve ser feito junto com as letras”.

Dito isto, o ensino da CF sem as letras continua sendo uma escolha popular entre educadores. Ao longo dos anos, muitos especialistas já comentaram esse fato. Tanto o Dr. Timothy Shanahan quanto a Dra. Linnea Ehri, dois dos principais pesquisadores do mundo sobre alfabetização, declararam publicamente que acreditam que a CF deve ser ensinada com letras e não isoladamente, como pode ser visto neste artigo do Dr. Shanahan (em inglês) [3].

A Dra. Ehri declarou, uma vez: 

“Em vez de traçar uma linha [entre CF e decodificação], eu desenharia um círculo (como uma mola, talvez?), adotando uma perspectiva de desenvolvimento. A CF que envolve ensinar as crianças a analisar sílabas e sons iniciais, incluindo a articulação das palavras, abre o caminho para que as crianças desenvolvam a CF e aprendam os nomes e os sons das letras. A CF ligada à audição ajuda as crianças a detectarem os sons importantes ao pronunciar e ouvir os nomes das letras, assim como ao pronunciar palavras enquanto estudam as letras e representam os sons dessas palavras em tarefas de ortografia inventadas. A prática de inventar palavras melhora a CF, a leitura e a escrita de palavras e o aprendizado fônico (phonics). Desenvolver a habilidade de mapear grafema-fonema para ler e escrever também fortalece a CF. Assim, as habilidades e práticas de fônica (phonics) e fonemas são entrelaçadas, à medida que as crianças adquirem a CF, escrita e leitura de palavras e decodificação.”

E sim, tanto a Dra. Ehri quanto o Dr. Shanahan estavam pessoalmente envolvidos com a meta-análise do NRP de 2001, que mostrou que o ensino de CF sem o apoio de letras resultava em um aprendizado menor. A meta-análise do NRP tem mais de 20 anos agora. 

No entanto, uma nova meta-análise de 2022 [4] analisou 133 estudos experimentais e/ou quase-experimentais sobre o ensino de consciência fonêmica. 

O ensino de CF com as letras gera quase o dobro de aprendizagem, em comparação ao ensino sem o apoio de letras – semelhante à meta-análise do NRP, apesar de ter sido publicada 20 anos depois e incluir quase três vezes mais estudos. Incluí no gráfico abaixo alguns resultados que considerei mais relevantes para os professores:

Pessoalmente, vejo duas explicações possíveis para esse fenômeno. Em primeiro lugar, ensinar os alunos a ler usando as letras é uma forma de ensino mais específica do que ensinar sem elas. Afinal, o verdadeiro objetivo do ensino da CF deve ser tornar os alunos melhores leitores e escritores, não especialistas na fala. Assim como a leitura exige o conhecimento das letras, o ensino de leitura também. 

Em segundo lugar, está bem estabelecido na literatura científica que a leitura e a escrita estão intensamente ligadas e que o ensino da escrita fortalece os resultados da leitura. Por exemplo, pesquisadores encontraram um tamanho de efeito médio de 0,79 para o ensino de escrita nos resultados de leitura [5]. 

Este é um tamanho de efeito maior do que o NRP encontrou para o ensino fônico (phonics) e não deve ser descartado rapidamente. Da mesma forma, outra meta-análise sobre intervenções para alunos disléxicos destacou alguns dos melhores resultados para o ensino de escrita (assim como CF) [6].

Com duas meta-análises de alta qualidade mostrando que ensinar a CF com as letras é muito mais eficaz do que ensiná-la sem elas, entendemos que a maioria das pesquisas científicas sobre o assunto mostra claramente que a CF funciona melhor com letras. No entanto, ainda há muita resistência a essa ideia. Quando aponto isso online, geralmente me dizem “mas CF com as letras não é CF, é ‘fônica’ (phonics)”. 

Pessoalmente, discordo dessa afirmação. O ensino de CF é geralmente definido como o ensino que ajuda os alunos a separar ou manipular sons em palavras. Considerando que a fônica (phonics) é geralmente definida como o ensino das relações letra-som, para mim, a CF parece um tipo de ensino categoricamente diferente, independentemente de os alunos verem ou não as letras.

Dito isso, eu não tinha 100% de certeza de que minha interpretação estava correta, então entrei em contato com a Dra. Holly Lane, uma pessoa que acredito ser muito mais experiente, qualificada e informada do que eu. Ela escreveu: 

Aqui está minha explicação padrão: a consciência fonêmica é a capacidade mental de atender e manipular os fonemas ou os sons da linguagem falada. QUALQUER abordagem pedagógica que desenvolva essa capacidade mental está ensinando a consciência fonêmica. Se acontecer de incluir letras, então também é ensino fônico (phonics).

Não há nada de errado com o ensino oral apenas. Isso melhora a CF. No entanto, o objetivo de ensinarmos a consciência fonêmica não é misturar e segmentar fonemas somente para misturar e segmentar fonemas. O objetivo é (a) ajudar as crianças a combinar fonemas para que possam ler palavras e (b) ajudá-las a segmentar fonemas para que possam soletrar palavras. 

O ensino de consciência fonêmica que inclui as letras atinge esses objetivos de forma mais eficaz e eficiente do que ensinar a consciência fonêmica sem letras. Sim, é ensino fônico (phonics), mas também está ensinando a consciência fonêmica de forma mais eficaz.”

Aparentemente, a Dra. Holly Lane recebeu essa pergunta tantas vezes ao longo dos anos que sentiu a necessidade de escrever uma resposta padrão. Assim, em minhas conversas sobre esse assunto, também reparei em pessoas fazendo afirmações como “mas ensinar a CF focando na parte oral não é uma abordagem de transportar a fala para texto? Muitos defensores da ciência da leitura não estão se movendo em direção a uma abordagem ‘fala para texto’ ou linguística?” 

Eu não compreendo esse tópico profundamente, pois sempre entendi que “fala para texto” não significa necessariamente ensinar apenas fonemas (sons) por um longo tempo antes de ensinar as relações com os grafemas; mas sim, ensinar fonemas primeiro em uma aula de ensino fônico (phonics).

No entanto, o movimento de “leitura falada para texto escrito” não é algo que eu conheça bem qualitativamente, pois nunca usei pessoalmente um programa fônico linguístico (embora eu ache que existam razões teóricas para que seja valioso). Então, entrei em contato com vários professores e pesquisadores de ensino fônico (phonics) linguístico para perguntar a eles “o ensino apenas ‘oral’ da CF é uma abordagem ‘de fala para texto’?”.

A resposta parecia ser esmagadora: “Não”. Entrei em contato com Nora Maginity Chahbazi, que me disse: “você não pode falar em texto, sem texto. Você está ensinando a conexão entre sons e letras.”

Outra resposta comum que tenho visto é que “não é apropriado para o desenvolvimento utilizar as letras para ensinar a alunos na educação infantil ou anos iniciais”. Claro, essa linguagem na verdade vem do movimento DAP (sigla para Prática Apropriada para o Desenvolvimento), que era muito popular entre os estudiosos do Balanced Literacy (teoria do ensino que surgiu na década de 1990) quando comecei minha carreira de professor. 

De fato, é uma afirmação que muitas vezes vejo estudiosos do Balanced Literacy fazerem contra o ensino fônico (phonics) em geral. No entanto, como discuti com o Dr. Shanahan em minha entrevista com ele (em inglês) [7], não há absolutamente nenhuma evidência para apoiar essa afirmação.

Claro, eu posso entender a confusão. CF é sobre a oralidade, não sobre correspondências de letras. Além disso, se você observar as meta-análises sobre o ensino de CF, normalmente encontrará um tamanho de efeito muito maior para CF do que para ensino fônico (phonics). O ensino de CF, inequivocamente, ajudou os alunos a aprender a ler. 

No entanto, esse ensino mostrou ser quase duas vezes mais eficaz se você ensinar CF com as letras, em vez de sem elas. Além disso, o National Reading Panel mostrou que a eficácia da CF diminuiu em um período de tempo relativamente rápido (20 horas), possivelmente sugerindo que os benefícios do ensino de CF podem ser obtidos rapidamente e devem, portanto, ser substituídos pelo ensino fônico (phonics) uma vez que essas habilidades tenham sido aprendidas.

A meta-análise de 2022 [4] não confirmou este achado; no entanto, sua meta-análise foi focada em alunos disléxicos. Esta é uma distinção importante, pois muitos estudiosos proeminentes teorizaram que a dislexia na maioria dos casos é causada por problemas de processamento fonológico e, portanto, pode se beneficiar mais do ensino de CF do que alunos não-disléxicos.

Então, onde isso nos deixa? Eu sei que muitos professores adotam estratégias de ensino de CF apenas oral. Isso é muito comum em parte porque são muito fáceis de implementar e divertidas para os alunos. Pessoalmente, acho que existem algumas soluções bastante fáceis. Você pode escrever as palavras com as quais planeja fazer exercícios de CF no quadro, antes da aula. 

Você pode pedir aos alunos que escrevam as palavras depois de cada exercício (eu particularmente gosto dessa ideia combinada com caixas de som de Elkonin). Eu também vi a Dra. Holly Lane sugerir aos professores que fizessem os alunos manipularem sons durante exercícios de CF com letras magnéticas e quadros brancos de caixa de Elkonin. 

Na verdade, há uma infinidade de maneiras de integrar letras em sua aula de CF e, ao fazê-lo, é altamente provável que fortaleça o aprendizado. O importante é que estamos estabelecendo uma conexão entre letras e sons.

Embora o ensino de CF feito com as letras seja melhor do que sem, é importante ressaltar que a pesquisa ainda mostra um benefício estatisticamente significativo para a CF estimulada sem letras e que ninguém prejudicou os alunos ao ensinar CF dessa maneira. Em vez disso, devemos reconhecer que não é a melhor prática. 

Eu estava conversando com minha amiga Dra. Kathryn Garforth sobre esse assunto e ela apontou que pode haver alguns casos em que só o ensino de CF com foco na oralidade faz sentido. Em particular, ela destacou o uso desses exercícios durante os horários do dia em que trabalhar com letras não é facilmente viável, como durante os horários de formação, intervalos ou refeições. 

Ela também apontou que esses exercícios podem ser mais fáceis para os alunos no início da educação infantil, quando eles ainda não aprenderam nenhuma letra.

Uma pergunta que me faço é: se ensinarmos CF e ensino fônico (phonics) separadamente, mas na mesma lição? Por exemplo: 10 minutos de exercícios orais de CF seguidos de uma aula regular de ensino fônico (phonics). Isso traria o mesmo benefício que fazer CF com letras? Pesquisando sobre esta questão, não encontrei uma resposta adequada, em meta-análises e, portanto, não posso responder no momento. 

Eu diria que isso funcionaria muito melhor do que ensinar CF e fônica (phonics) apenas oralmente e separadamente. No entanto, não sei se seria equivalente, melhor ou pior do que ensinar CF com letras, seguido de ensino fônico (phonics) regular. Como está atualmente, acredito que a escolha mais baseada em evidências seria ensinar fônica (phonics) e CF com letras.

Referências:

[1] NRP. (2001). Teaching Children to Read: An Evidence Based Assessment of the Scientific Literature on Reading Instruction. United States Government. Retrieved from <https://www.nichd.nih.gov/sites/default/files/publications/pubs/nrp/Documents/report.pdf>. 

[2] Parker, Stephen. (2022). The Essential Linnea Ehri. Parker Phonics. Retrieved from <https://www.parkerphonics.com/post/the-essential-linnea-ehri>. 

[3] Shanahan, Timothy. (2020). Letters in Phonemic Awareness Instruction or the Reciprocal Nature of Learning to Read. Reading Rockets. Retrieved from <https://www.readingrockets.org/blogs/shanahan-literacy/letters-phonemic-awareness-instruction-or-reciprocal-nature-learning-read>. 

[4] Rehfeld DM, Kirkpatrick M, O’Guinn N, Renbarger R. A Meta-Analysis of Phonemic Awareness Instruction Provided to Children Suspected of Having a Reading Disability. Lang Speech Hear Serv Sch. 2022 Oct 6;53(4):1177-1201. doi: 10.1044/2022_LSHSS-21-00160. Epub 2022 Jul 13. PMID: 35858272.

[5] Graham, Steve & Hebert, Michael. (2011). Writing to Read: A Meta-Analysis of the Impact of Writing and Writing Instruction on Reading. Harvard Educational Review. 81. 710-744. 10.17763/haer.81.4.t2k0m13756113566. 

[6] Hall, C., Dahl-Leonard, K., Cho, E., Solari, E.J., Capin, P., Conner, C.L., Henry, A.R., Cook, L., Hayes, L., Vargas, I., Richmond, C.L. and Kehoe, K.F. (2022), Forty Years of Reading Intervention Research for Elementary Students with or at Risk for Dyslexia: A Systematic Review and Meta-Analysis. Read Res Q. https://doi.org/10.1002/rrq.477

[7] Shanahan, Timothy. (2020). Interview with Dr. Shanahan: The topic of DAP and Dyslexia – Episode 38. Pedagogy Non Grata. Retrieved from <https://podcasts.apple.com/ca/podcast/interview-with-dr-shanahan-the-topic-of-dap/id1448225801?i=1000459253334>. 

Traduzido por: Danilo Aguiar e Américo Amorim.
Texto original de Nathaniel Hansford.