Larry Cuban: O “otimismo tecnológico” encontra as escolas – as escolas vencem (parte 2)
Tanto no presente quanto no passado, protestos e reclamações não impediram a chegada de inovações tecnológicas. Esse é o poder do otimismo tecnológico: mudar é algo bom. Mudança significa progresso. Mudanças tornam a vida melhor. Claro, mesmo que as novas tecnologias desfaçam setores da indústria, as pessoas percam empregos e fusões corporativas expulsem as pequenas empresas, a vida será melhor do que antes. O otimismo tecnológico reina na América.
Na Europa e nos Estados Unidos, há séculos existe a crença de que novas tecnologias podem melhorar a vida individual e coletiva – a saúde, a produtividade na escola e no local de trabalho, a comodidade do lar e o envolvimento com a comunidade. Essa visão é difundida independentemente de raça, etnia, classe social e crença religiosa.
O sonho de que a internet promoveria a democracia, por exemplo, era vivo na primeira geração de usuários. No entanto, depois de alguns anos, ficou óbvio que a internet, como a maioria das tecnologias, pode ser usada para o bem ou para o mal; pode expandir a participação popular nas democracias ou reforçar as garras das ditaduras no controle dos cidadãos. Ou então, a internet se torna invasiva e comercial ao “sugar” dados pessoais – vendidos para quem der o maior lance. Junte a isso as plataformas de mídias sociais que certamente conectam as pessoas umas às outras e, ao mesmo tempo, são veículos que intimidam, permitem o cultivo do ódio e interferem nas eleições nacionais de outros países.
Sonhos frustrados à parte, o tecno-otimismo continua sendo a crença padrão para a maioria dos americanos.
E esse “otimismo” (sem o prefixo “tecno”) também pode ser usado para descrever os(as) educadores(as). Afinal, os homens e mulheres que se tornam professores(as), diretores(as) e superintendentes realmente acreditam que os(as) alunos(as) podem sempre melhorar, que aprender é uma coisa boa e que todas as crianças e jovens têm muito a ganhar quando as escolas são “boas”. Poucas pessoas pessimistas entram na profissão e, caso entrem, raramente duram mais de um ou dois anos.
No entanto, esse otimismo tecnológico vai ficando mais suave ao longo do tempo. As reformas educacionais vêm e vão. O hype (o que está na moda) logo é reconhecido e facilmente descartado. Muitas vezes, certas mudanças ocorrem mas ficam bem abaixo das expectativas. Apesar disso, a escola que utiliza a classificação etária e um “guia de práticas escolares”, na qual os professores trabalham diariamente, é o que diminui esse otimismo: não damos a devida importância a essas escolas. Principalmente, pelas condições de trabalho (por exemplo, longas jornadas diárias de ensino, o tamanho das turmas, tempo limitado para planejar, poucos materiais, muitas tarefas diferentes); pela influência negativa que a segregação social têm nas habilidades e no desempenho dos alunos; e as más decisões de diretores(as) e administradores(as) escolares. Dentro dessas escolas, é grande a decepção, o que elimina grande parte desse otimismo tecnológico principalmente quando se trata de novas tecnologias.
Professores(as) mais novos(as) na profissão frequentemente se esgotam e abandonam o trabalho. Os(as) que dominam o ofício e mantêm a crença na importância do trabalho que realizam, aprenderam a analisar o hype e a selecionar novas tecnologias para atender a demandas específicas de suas salas de aula. Ainda cultivam o otimismo porque consideram importante ajudar as crianças a crescer e aprender enquanto compartilham conhecimentos com elas. Esses(as) profissionais ajustam suas abordagens para usar dispositivos e software em aulas, e se adaptam às demandas da escola com classificação etária e seu “guia de práticas escolares”.
No fim, toda essa conversa sobre “inovar” a educação básica e o ensino superior por meio de cursos abertos online (MOOCs), super-software, aprendizado personalizado e escolas digitais é só isso mesmo, uma conversa. Todas essas tendências existem mas ficam à margem da escola.
Por que e como isso acontece?
Toda instituição tem planos para os que fazem parte dela. A escola com classificação etária voltada a crianças e jovens, os quais são obrigados a frequentá-la até os 17/18 anos, é onipresente, duradoura e molda o que acontece diariamente nas salas de aula, corredores, lanchonetes e playgrounds. As estruturas ditam os deveres do professor, as responsabilidades do aluno e as ações administrativas – por exemplo, a carga horária diária das aulas, a disposição das salas, a divisão dos conteúdos em disciplinas por ano ou turma, os testes e boletins.
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Esse “guia de práticas escolares” incorporado na escola com classificação etária influencia o que os alunos fazem, o que os professores ensinam e o que ocorre das 8h às 15h nas nossas escolas. Além das agências militares e organizações de combate ao crime, a maioria dos nascidos nos Estados Unidos subestima o poder de organizações comunitárias, como escolas, de moldar (sem determinar) o comportamento individual de adultos e crianças. E isso é um erro. As organizações escolares dirigem, sim, o comportamento daqueles dentro de seus espaços – mas não os controlam.
Parte desse “controle” do comportamento fica evidente quando se trata de novas tecnologias, vistas como promessas de transformar o ensino e a aprendizagem, criadas por pessoas que nunca passaram um dia ensinando em uma sala de aula.
Muitos(as) dos(as) professores(as) mais experientes têm aversão a essas promessas. Afinal, eles(as) sabem na prática o que acontece nas salas de aula e nas escolas. Quando se deparam com reformas educacionais que prometem grandes mudanças, eles(as) adaptam essas políticas para se ajustarem aos seus alunos, seu conteúdo, habilidades e o que acreditam que os(as) alunos(as) devem aprender. Isso é feito aos poucos, claro.
Vamos considerar os computadores desktop (“de mesa”). No início dos anos 1980, as inovações tecnológicas chegaram com a presença deles na mesa de professores(as). Em alguns anos, a escola colocou computadores nas bibliotecas e criou laboratórios exclusivos para aulas de informática. Com o tempo, os preços deles caíram e muitas escolas compraram laptops para cada um dos alunos. Agora em 2019, grande parte das salas de aula está equipada com 25, 30 tablets prontos para uso. No entanto, os(as) professores(as) organizam salas, aulas e atividades da mesma forma que antes mas, agora, usam dispositivos e software para atingir os mesmos fins. Com certeza, as escolas passaram a suavizar o tom ao anunciar esse “aprendizado personalizado”, já que oferecem o acesso aos dispositivos e existem professores que concordam com a aplicação dessas tecnologias nas atividades.
Você pode até querer mudanças radicais no dia a dia nas salas de aula, mas elas não vão acontecer. Com a compreensão e a disposição dos(as) professores(as), mudanças podem ocorrer lentamente. De forma geral, as escolas adotam reformas educacionais e as adaptam pouco a pouco para se adequar à “guia de práticas escolares” predominantes. Professores(as), coordenadores(as) e diretores(as) podem “domesticar” as reformas escolares, incluindo novas tecnologias.
Nenhum desses comentários é uma crítica aos educadores(as) ou diretores(as). É simplesmente uma evidência de como e por que as escolas e suas infraestruturas exercem grande influência sobre suas equipes de profissionais.
Tradução: Danilo Aguiar /Américo Amorim.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
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