30 milhões de palavras! A diferença entre crianças que escrevem bem e as que enfrentam dificuldades
Olá pessoal, tudo bem?
Nesse último final de semana eu recebi a visita de um grande amigo meu que fez doutorado em Oxford. Um cara super inteligente. Ele mora em Brasília e me contou que um colega dele está com um problema com o filho. A criança tem 4 anos e até agora não consegue se comunicar bem. Não fala, e tem problemas de socialização na escola.
O que ele me contou foi que os pais dessa criança também tem um comportamento um pouco diferente. Não se comunicam muito com o filho. Eu comentei com ele de um estudo que li durante o doutorado sobre uma pesquisa de grande porte feita nos Estados Unidos a respeito de como funciona a aquisição da linguagem nas crianças e resolvi fazer um vídeo explicando um pouco melhor sobre ela. Abaixo você pode conferir a transcrição completa dele.
Essa pesquisa foi feita por Betty Hart & Toddy R. Risley, dois estudiosos que focavam em intervenções para melhorar o trabalho dentro de sala de aula. Eles fizeram uma série de estudos e o ganho que eles tinham de aprendizado com as crianças na pré-escola (educação infantil) era muito pequeno. Eles passaram então a investigar o que podia ser feito além da sala de aula, para facilitar a alfabetização das crianças.
Eles foram então acompanhar a vida de 42 famílias: 13 famílias de alta renda, 10 famílias de classe média e 19 famílias de classe mais baixa. Os pesquisadores passaram um mês dentro da casa dessas pessoas acompanhando crianças de 7 meses até três anos de idade. Eles registravam tudo o que acontecia com gravadores de som e depois levavam para analise no laboratório.
O estudo – que levou vários anos para ser feito – foi publicado em 2003 e os pesquisadores identificaram alguns dados bem interessantes. Por exemplo, na análise que foi feita dessas gravações, das centenas de horas de diálogos entre os pais e as crianças tanto em casa ou quando saíam pra fazer alguma atividade, eles descobriram que de 86 a 98% da palavras que eram usadas pelas crianças aos três anos de idade eram palavras que eram faladas pelos pais.
Eles também descobriram que a duração das falas e o padrão do que era falado pelas crianças também era exatamente igual ou muito parecido com o que aqueles pais falavam. Mas o principal ponto da pesquisa foi a descoberta de que em famílias de alta renda cada criança escutava, recebia através do relacionamento com as pessoas que estavam ao redor dela, com os pais, avós ou pessoas que trabalhavam naquela casa cerca de 2153 palavras por hora.
As crianças da classe média, por sua vez, escutavam 1251 palavras por hora ou seja 1.000 palavras a menos. E nas famílias mais pobres as crianças só escutavam 616 palavras por hora. Eles resolveram então investigar além da quantidade de palavras que essas famílias falavam com as crianças o conteúdo do que era dito.
Uma das variáveis que eles observaram foi o nível de incentivo e o de repreensão que esses pais tinham com as crianças, ou seja, se quando a criança fazia alguma atividade o pai incentivava, apoiava ou se o reclamava, repreendia aquela criança para não fazer mais aquilo.
Foi quando identificaram outra relação interessante. Em famílias de alta renda para cada seis incentivos que a criança recebia, ela sofria uma repreensão. Ou seja, ela fazia seis coisas que os pais achavam interessante e incentivavam, para cada uma besteira em que o pai dizia “não, não faça isso”. Na classe média ao invés de 6 para 1 essa relação caiu de 2 incentivos para uma repressão, ou seja, a criança ainda fazia duas vezes mais coisas bacanas para os pais do que coisas que os eles repreendiam.
O contraste total foi na classe mais baixa. Nas famílias mais pobres as crianças recebiam em média duas reclamações para cada incentivo. De modo que na classe alta as crianças eram muito incentivadas a fazer suas atividades, muito encorajadas; na classe média esse encorajamento era um pouco menor, mas ainda positivo (dois incentivos para cada reclamação) e na classe baixa basicamente o que os pais mais faziam era reclamar com as crianças, com duas reclamações para cada incentivo.
A conclusão final do estudo foi que as habilidades que uma criança tem em linguagem aos 3 anos indicam estatisticamente as habilidades que que essa criança vai ter lá na frente aos 9, 10 anos. Ou seja, na educação infantil se uma criança com dois ou três anos tiver um bom vocabulário e facilidade em comunicação, ela tende a a ter notas melhores em português, literatura e redação no futuro.
O grande segredo revelado pela pesquisa foi que a escola sozinha não vai conseguir formar leitores e escritores. Os pais precisam ajudar na formação dos leitores dos jovens escritores desde que a criança nasce.
Então ali na barriga da mãe já é importante que a família já fale com o bebê. E assim que a criança nascer sempre falar muito com ela, mesmo que ela não responda. Você fala e dá um tempo pra que ela possa responder. No começo ela não vai responder porque não sabe fazer sons, não sabe falar, mas ela já vai esboçar reações e se acostumar com o fluxo do diálogo: alguém fala ela, ela responde, alguém fala ela responde.E a medida que a criança for ficando maior incentivá-la a falar e a fazer suas atividades.
Então esse estudo, concluindo, observou que que existia uma diferença de 30 milhões de palavras entre as crianças de 0 a 3 anos de famílias mais ricas e as crianças de famílias mais pobres. E é essa diferença nessa faixa etária que determina em grande medida o sucesso daquele aluno na escola no futuro.
Nesse sentido, nós como educadores, precisamos incentivar as mães e os pais das crianças da educação infantil a conversar bastante com seus filhos, o máximo possível. E dentro de sala de sala de aula temos que desenvolver atividades para crianças de 1, 2 e 3 anos que foquem o máximo possível em conversação, incentivando-as a falar e se expressar. Quanto mais atividades nesse sentido forem desenvolvidas melhor vai ser o vocabulário dela e maior sua performance futura na alfabetização e séries posteriores.
Por hoje é só e até a próxima!
Américo é doutor em educação pela Johns Hopkins University. Pesquisador em educação, fundou a Escribo onde trabalha com as escolas para fortalecer o aprendizado das crianças.
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