O que aconteceu com os objetivos comportamentais? Nada demais. Eles foram introduzidos no início do século 20 e ainda estão por aí, mas hoje são chamados por nomes diferentes.
Imagine que você um dia remove e joga fora o papel de parede do cômodo favorito da sua casa. Depois, coloca um outro muito parecido com o que foi descartado mas que tem a cor um pouco mais clara ou mais escura. Esses são os objetivos comportamentais. Em resumo, esse termo tem nomes diferentes hoje (por exemplo, objetivos de aprendizado, resultados do aluno, resultados baseados em competências), mas representa o mesmo em todas as práticas pedagógicas, bem como na área de negócios, medicina e outros trabalhos profissionais. Eles agora são um elemento permanente das organizações, mas não são chamados de “objetivos comportamentais”.
De onde surgiu a ideia?
Inspirada pelo pioneiro da gestão Frederick Taylor, o psicólogo educacional Edward Thorndike e outros acadêmicos, os grupos progressistas defensores orientados para a eficiência entenderam que era importante termos um design de aulas racional. Nas décadas de 1930 e 1940, Ralph Tyler, da Universidade de Chicago e avaliador-chefe do Estudo de Oito Anos (em inglês), defendeu objetivos comportamentais e formas científicas de avaliar os resultados dos alunos e das escolas. A criação das máquinas de ensino (em inglês) e o trabalho do psicólogo behaviorista B.F. Skinner promoveu a divisão de conhecimentos e habilidades específicas em partes menores que poderiam ser ensinadas e medidas.
Os designers instrucionais começaram já no final dos anos 1950 a pressionar professores(as) da educação infantil, do ensino fundamental e médio a adotarem a ideia de “objetivos comportamentais”. Eles defendiam que os educadores devem declarar de forma clara e objetiva exatamente o que desejam que os alunos aprendam, as condições sob as quais os alunos aprenderão esses conteúdos e habilidades específicas e como esses educadores saberão que os alunos realmente aprenderam o que se pretendia.
Ao longo da década de 1960, psicólogos que defendiam o design instrucional produziram artigos e livros
que estabeleciam como os professores deveriam e poderiam compor objetivos específicos para suas aulas. Os termos eram suficientemente claros para determinar se os alunos aprenderam ou não o que foi pretendido na aula. Muitos desses psicólogos foram treinados como behavioristas, como BF Skinner, Robert Gagné, Benjamin Bloom, Robert Mager e outros nas décadas de 1940 e 1950 – junto com Ralph Tyler.
O que são objetivos comportamentais?
Às vezes chamados de habilidades, objetivos de “aprendizagem” ou de “desempenho”, Robert Mager estabeleceu as três partes que cada objetivo comportamental deve conter: o que o aluno fará (não o professor ou os materiais de instrução), as condições sob as quais o aluno desempenha e os critérios para julgar quão bem o aluno executou a tarefa.
Veja alguns exemplos desses objetivos em aulas:
– Os alunos são capazes de classificar as alterações no estado de uma matéria (água, por exemplo) ao receberem uma descrição da forma e do volume;
– Os alunos conseguem analisar quatro obras curtas de ficção de gêneros diferentes e informar a qual gênero cada obra pertence;
– Usando o site washingtonpost.com, os alunos identificam corretamente e imprimem artigos de notícias e editoriais sobre temas em evidência (dois textos de cada);
– Com base em 20 exemplos de uso incorreto de tempos verbais, o aluno identifica e corrige um mínimo de dezesseis erros em uma lista.
Às vezes, os objetivos comportamentais podem ser colocados em palavras que as crianças possam entender, como:
Quais problemas os objetivos comportamentais pretendem resolver?
Como os objetivos comportamentais são a base de uma aula, segundo os que defendem o “desempenho” ou o “resultado da aprendizagem de competências”, frequentemente esses objetivos são feitos incorretamente, declaram apenas o que o professor faz e não o que o aluno fará e aprenderá. Mesmo quando os objetivos são formulados de acordo com o que os alunos farão, eles usam uma linguagem ambígua e difícil de demonstrar que o aprendizado ocorreu.
Exemplos de objetivos de aula desse tipo são fáceis de encontrar: “a professora lerá a historinha para os alunos da educação infantil”, “eu vou explicar para os alunos o que é o ciclo lunar para os alunos”, “o professor interpretará o significado do livro Paraíso Perdido”, “os alunos vão desenvolver formas tridimensionais usando arame e madeira”.
De outro lado, temos este exemplo: imagine que está planejando aulas sobre o colonialismo na América e estes são os objetivos:
– Os alunos entenderão como aprender a história dos Estados Unidos os ajudará a alcançar seus objetivos;
– Eles terão uma visão geral da história dos EUA, desde a colonização até a Guerra Civil;
– Também usarão mapas para compreender o processo de colonização;
– Aprenderão sobre a localização de cada grupo de colônias que deram origem aos EUA e como a geografia afetou a economia de cada uma delas;
– Os alunos vão analisar dois textos argumentativos sobre a centralidade de dinheiro na América e escrever respostas.
Os objetivos comportamentais funcionam?
Ninguém sabe ao certo. Se “funcionar” nesse caso se refere ao fato de que estão presentes nos planos de aula e de unidade ou semestre em todo o país, a resposta é sim. Mas se “funcionar” pergunta se os objetivos melhoram de forma efetiva a qualidade de uma aula ou o aprendizado dos alunos, essa resposta praticamente não existe. É quase impossível fazer ligações entre o aperfeiçoamento acadêmico e a qualidade dos objetivos comportamentais.
Não muito. Sob diferentes rótulos, eles estão por todas as bases curriculares (como a BNCC), todos os orçamentos municipais e estaduais, propostas de doações e programas de agências governamentais.
Visitando salas de aula em todo o Vale do Silício em 2016, muitas vezes vi o planejamento de atividades do dia listado em um quadro branco. Normalmente, o primeiro item era o objetivo da aula. Por exemplo… Em uma aula de Física na Los Altos High School, que observei em setembro de 2016, o professor havia escrito no quadro branco o seguinte objetivo para a aula: “os alunos serão capazes de criar vídeos educativos usando animações para demonstrar as habilidades de resolver problemas e dar suporte aos colegas.
Para aquelas pessoas que desejam “personalizar o aprendizado”, uma maneira é listar as habilidades e competências que serão desenvolvidas em ritmos diferentes – como em atividades por meio de aplicativos ou em atividades presenciais. Essas competências também são objetivos comportamentais.
As professoras e os professores podem não chamá-los de “objetivos comportamentais” hoje em dia, mas eles são comumente incluídos no dia a dia em planos de aula, avaliações de alunos e de professores.
Artigo traduzido por Américo Amorim e Danilo Aguiar.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
A antiga lei de diretrizes da educação infantil e do ensino fundamental dos Estados Unidos (No Child Left Behind Act, ou NCLB, de 2001) “cravou uma estaca” no próprio coração. OK, isso é um pouco dramático. Mas a reforma educacional progressista chamada de “avaliação autêntica”* foi deixada de lado pelos testes padronizados e pelo movimento de responsabilização que começou no início dos anos 1980, ganhou velocidade nos anos 1990 e acelerou na velocidade da luz quando a lei NCLB foi sancionada.
Escolha sua metáfora mas, exceto alguns professores espalhados pelos Estados Unidos que começaram a ensinar no auge da “avaliação autêntica”, poucos secretários, diretores e professores novatos, muito menos os pais, já ouviram falar desse modo progressista de avaliar a aprendizagem do aluno.
Onde e quando a avaliação autêntica se originou?
Na década de 1980, após o relatório A Nation at Risk (Uma nação em risco), os legisladores estaduais se apressaram para elevar os padrões curriculares e aumentar a responsabilidade das escolas e distritos. Um resultado dessas reformas em todo o país foi um aumento acentuado no número de alunos que fazem as avaliações nacionais exigidas. No final da década de 1980 e início de 1990, os progressistas* da época, como Deborah Meier, Grant Wiggins, Fred Newmann, Linda Darling Hammond e Ted Sizer procuraram fazer com que as escolas exigissem mais do intelecto dos alunos em tarefas, atividades e avaliações.
Meier, Sizer e outros, por exemplo, criaram e organizaram escolas com professores que incentivavam os alunos a não apenas pensar sobre o conteúdo e as habilidades que aprenderam, de maneira que iam muito além do que os itens de múltipla escolha em uma avaliação nacional capturariam, mas também a demonstrar aos outros por meio de atividades práticas e exercícios o que aprenderam, e aplicar esse aprendizado ao mundo em que vivem.
As “avaliações autênticas” se tornaram reformas educacionais mencionadas com frequência. A frase “avaliação de desempenho” também foi usada com o mesmo sentido de “avaliação autêntica”.
Que problemas a avaliação autêntica pretendia resolver?
Vindo na esteira do aumento das avaliações nacionais e do estreitamento do currículo para as matérias testadas – aprendizado de leitura e matemática, especialmente em escolas pobres e de minorias, passamos a cobrir apenas o conteúdo abordado nas avaliações e realizar atividades repetitivas. Essas avaliações medem a aprendizagem do aluno de forma muito limitada e compreendem pouco o desempenho.
No entanto, os formuladores de políticas educacionais consideraram que esses testes são precisos na hora de avaliar o aprendizado dos alunos. Por último, essas crianças ficaram cada vez mais desestimuladas e chegaram a adotar uma postura passiva, sem envolvimento.
Vendo todo esse retrocesso, os defensores de reformas educacionais viram a avaliação autêntica (agora sem aspas, mesmo) como uma forma de retornar o ensino e a aprendizagem às suas raízes progressistas, envolvendo os alunos por meio da conexão de conteúdo e habilidades com tarefas do mundo real e aumentando assim a participação dos alunos no processo de aprendizagem.
Como é a avaliação autêntica nas salas de aula?
Não consegui encontrar projetos de alunos ou uma aula de um professor que trabalhasse com a avaliação autêntica. De toda forma, pode ser que eles existam. O que eu encontrei depois de muitas pesquisas foram videoclipes de escolas comprometidas com uma avaliação autêntica e uma professora da terceira série descrevendo o que ela fez com alunos em aulas que envolvem Linguagem.
Fiquei surpreso com a escassez de fontes que descrevem o que realmente ocorre nas salas de aula. Planejar e aplicar atividades de avaliação autênticas em sala de aula exige muito trabalho dos professores. É verdade que é necessário todo o trabalho de ensino no começo, mas a avaliação pode ser usada depois com frequência.
Existem atalhos, é claro, para criar essas avaliações e pensar em tarefas para os alunos fazerem. No entanto, gastamos muito tempo para encontrar a atividade certa e que acompanhe exatamente os objetivos de aprendizagem que o professor busca avaliar. Peço desculpas aos leitores por não ter esses exemplos.**
Talvez eu tenha procurado nos lugares errados ou não tenha sido persistente o suficiente.
A avaliação autêntica funcionou?
Aqui está o dilema em que os campeões da avaliação autêntica se encontram. Se “trabalho” significa eficácia em determinar se os alunos aprenderam o conteúdo e as habilidades exigidas e se tiveram um desempenho satisfatório nas avaliações estaduais obrigatórias, em que grau a avaliação autêntica ajudou no resultado? Vou simplificar.
Um professor de sala de aula ou o diretor de escola comprometidos com uma avaliação autêntica, por meio de exercícios e portfólios de seus alunos, considera as pontuações em avaliações nacionais padronizadas como prova de aprendizagem? Ou o professor, a escola ou as secretarias de educação projetam suas próprias medidas para determinar o nível de aprendizado dos alunos? Ou ambos importam?
As respostas a essas perguntas apresentam uma contradição, uma vez que os testes estaduais e nacionais são medidas limitadas da aprendizagem do aluno de conteúdos e habilidades. Esses testes falham em compreender as habilidades críticas adquiridas ao avaliar tarefas distintas de forma autêntica. A resposta à outra pergunta é “sim”, o que significa um enorme investimento de tempo dos professores e outros, um cálculo que professores e gestores têm que fazer, dada às outras demandas dos professores durante o dia escolar.
Quando o estado de Vermont, por exemplo, adotou portfólios como uma avaliação autêntica em vez de avaliações nacionais, pesquisadores refletiram se os portfólios forneciam dados suficientes e precisos sobre o desempenho dos alunos. Eles concluíram que os dados que coletaram tinham menos qualidade do que os resultados das avaliações nacionais tradicionais.
O que aconteceu com a avaliação autêntica?
Como muitas novidades progressistas no repertório de professores ao longo das décadas, a empolgação em torno das avaliações autênticas no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 diminuiu. A ideia de professores e escolas projetarem atividades de avaliação que captam se os alunos conseguem aplicar o que aprenderam, é claro, continua a aparecer nas aulas de muitos professores nas 100.000 escolas dos EUA. Os professores frequentemente combinavam formas tradicionais e progressistas de ensino e aprendizagem ao longo das décadas. Mas o impulsionamento e o alvoroço em torno da avaliação autêntica desapareceram. Em 2020, as avaliações nacionais seguem em primeiro lugar na hora de avaliar o aprendizado dos alunos.
* Eu uso a palavra Progressista para descrever a avaliação autêntica, uma vez que visa o princípio da criança aprender fazendo e envolvendo a atenção e a participação do aluno em tarefas do mundo real. Esses eram os objetivos dos progressistas pedagógicos do início do século XX e dos educadores atuais comprometidos com o ensino e a aprendizagem construtivistas .
** Consulte os comentários de leitores que recomendaram fontes que não incluí. Especialmente os comentários de Bob Lenz e os links que ele fornece para avaliações de desempenho atuais. Obrigado, Bob.
Artigo traduzido por Américo Amorim e Danilo Aguiar.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
Tanto no presente quanto no passado, protestos e reclamações não impediram a chegada de inovações tecnológicas. Esse é o poder do otimismo tecnológico: mudar é algo bom. Mudança significa progresso. Mudanças tornam a vida melhor. Claro, mesmo que as novas tecnologias desfaçam setores da indústria, as pessoas percam empregos e fusões corporativas expulsem as pequenas empresas, a vida será melhor do que antes. O otimismo tecnológico reina na América.
Na Europa e nos Estados Unidos, há séculos existe a crença de que novas tecnologias podem melhorar a vida individual e coletiva – a saúde, a produtividade na escola e no local de trabalho, a comodidade do lar e o envolvimento com a comunidade. Essa visão é difundida independentemente de raça, etnia, classe social e crença religiosa.
O sonho de que a internet promoveria a democracia, por exemplo, era vivo na primeira geração de usuários. No entanto, depois de alguns anos, ficou óbvio que a internet, como a maioria das tecnologias, pode ser usada para o bem ou para o mal; pode expandir a participação popular nas democracias ou reforçar as garras das ditaduras no controle dos cidadãos. Ou então, a internet se torna invasiva e comercial ao “sugar” dados pessoais – vendidos para quem der o maior lance. Junte a isso as plataformas de mídias sociais que certamente conectam as pessoas umas às outras e, ao mesmo tempo, são veículos que intimidam, permitem o cultivo do ódio e interferem nas eleições nacionais de outros países.
Sonhos frustrados à parte, o tecno-otimismo continua sendo a crença padrão para a maioria dos americanos.
E esse “otimismo” (sem o prefixo “tecno”) também pode ser usado para descrever os(as) educadores(as). Afinal, os homens e mulheres que se tornam professores(as), diretores(as) e superintendentes realmente acreditam que os(as) alunos(as) podem sempre melhorar, que aprender é uma coisa boa e que todas as crianças e jovens têm muito a ganhar quando as escolas são “boas”. Poucas pessoas pessimistas entram na profissão e, caso entrem, raramente duram mais de um ou dois anos.
No entanto, esse otimismo tecnológico vai ficando mais suave ao longo do tempo. As reformas educacionais vêm e vão. O hype (o que está na moda) logo é reconhecido e facilmente descartado. Muitas vezes, certas mudanças ocorrem mas ficam bem abaixo das expectativas. Apesar disso, a escola que utiliza a classificação etária e um “guia de práticas escolares”, na qual os professores trabalham diariamente, é o que diminui esse otimismo: não damos a devida importância a essas escolas. Principalmente, pelas condições de trabalho (por exemplo, longas jornadas diárias de ensino, o tamanho das turmas, tempo limitado para planejar, poucos materiais, muitas tarefas diferentes); pela influência negativa que a segregação social têm nas habilidades e no desempenho dos alunos; e as más decisões de diretores(as) e administradores(as) escolares. Dentro dessas escolas, é grande a decepção, o que elimina grande parte desse otimismo tecnológico principalmente quando se trata de novas tecnologias.
Professores(as) mais novos(as) na profissão frequentemente se esgotam e abandonam o trabalho. Os(as) que dominam o ofício e mantêm a crença na importância do trabalho que realizam, aprenderam a analisar o hype e a selecionar novas tecnologias para atender a demandas específicas de suas salas de aula. Ainda cultivam o otimismo porque consideram importante ajudar as crianças a crescer e aprender enquanto compartilham conhecimentos com elas. Esses(as) profissionais ajustam suas abordagens para usar dispositivos e software em aulas, e se adaptam às demandas da escola com classificação etária e seu “guia de práticas escolares”.
No fim, toda essa conversa sobre “inovar” a educação básica e o ensino superior por meio de cursos abertos online (MOOCs), super-software, aprendizado personalizado e escolas digitais é só isso mesmo, uma conversa. Todas essas tendências existem mas ficam à margem da escola.
Por que e como isso acontece?
Toda instituição tem planos para os que fazem parte dela. A escola com classificação etária voltada a crianças e jovens, os quais são obrigados a frequentá-la até os 17/18 anos, é onipresente, duradoura e molda o que acontece diariamente nas salas de aula, corredores, lanchonetes e playgrounds. As estruturas ditam os deveres do professor, as responsabilidades do aluno e as ações administrativas – por exemplo, a carga horária diária das aulas, a disposição das salas, a divisão dos conteúdos em disciplinas por ano ou turma, os testes e boletins.
Esse “guia de práticas escolares” incorporado na escola com classificação etária influencia o que os alunos fazem, o que os professores ensinam e o que ocorre das 8h às 15h nas nossas escolas. Além das agências militares e organizações de combate ao crime, a maioria dos nascidos nos Estados Unidos subestima o poder de organizações comunitárias, como escolas, de moldar (sem determinar) o comportamento individual de adultos e crianças. E isso é um erro. As organizações escolares dirigem, sim, o comportamento daqueles dentro de seus espaços – mas não os controlam.
Parte desse “controle” do comportamento fica evidente quando se trata de novas tecnologias, vistas como promessas de transformar o ensino e a aprendizagem, criadas por pessoas que nunca passaram um dia ensinando em uma sala de aula.
Muitos(as) dos(as) professores(as) mais experientes têm aversão a essas promessas. Afinal, eles(as) sabem na prática o que acontece nas salas de aula e nas escolas. Quando se deparam com reformas educacionais que prometem grandes mudanças, eles(as) adaptam essas políticas para se ajustarem aos seus alunos, seu conteúdo, habilidades e o que acreditam que os(as) alunos(as) devem aprender. Isso é feito aos poucos, claro.
Vamos considerar os computadores desktop (“de mesa”). No início dos anos 1980, as inovações tecnológicas chegaram com a presença deles na mesa de professores(as). Em alguns anos, a escola colocou computadores nas bibliotecas e criou laboratórios exclusivos para aulas de informática. Com o tempo, os preços deles caíram e muitas escolas compraram laptops para cada um dos alunos. Agora em 2019, grande parte das salas de aula está equipada com 25, 30 tablets prontos para uso. No entanto, os(as) professores(as) organizam salas, aulas e atividades da mesma forma que antes mas, agora, usam dispositivos e software para atingir os mesmos fins. Com certeza, as escolas passaram a suavizar o tom ao anunciar esse “aprendizado personalizado”, já que oferecem o acesso aos dispositivos e existem professores que concordam com a aplicação dessas tecnologias nas atividades.
Você pode até querer mudanças radicais no dia a dia nas salas de aula, mas elas não vão acontecer. Com a compreensão e a disposição dos(as) professores(as), mudanças podem ocorrer lentamente. De forma geral, as escolas adotam reformas educacionais e as adaptam pouco a pouco para se adequar à “guia de práticas escolares” predominantes. Professores(as), coordenadores(as) e diretores(as) podem “domesticar” as reformas escolares, incluindo novas tecnologias.
Nenhum desses comentários é uma crítica aos educadores(as) ou diretores(as). É simplesmente uma evidência de como e por que as escolas e suas infraestruturas exercem grande influência sobre suas equipes de profissionais.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
Além do renomado pesquisador educacional Robert Slavin, o Blog Ciência do Aprendizado, da Escribo, apresenta o seu mais novo colaborador: o educador Larry Cuban, professor emérito de educação na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Com mais de 40 anos de carreira, Cuban é uma grande referência quando o assunto é educação. Ele é autor de centenas de artigos científicos e livros sobre ensino, história das reformas educacionais, e sobre o uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio. Neste primeiro texto, Cuban fala sobre o uso de tecnologias para fins educacionais e quais cenários podem surgir a partir da adoção das inovações pelas escolas. Boa leitura!
O entusiasmo que surge a cada inovação tecnológica é enorme. Thomas Edison (1900) previu que o cinema iria revolucionar o ensino e a aprendizagem; computadores desktop alcançaram a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental (1980); cursos online abertos e massivos se tornaram muito populares (2010), transformando o ensino superior; chegamos ao BrainCo, software que rastreia e usa as ondas cerebrais dos alunos (2019). Todo problema tem uma solução, e toda escola precisa do software mais recente – seja para aumentar os resultados dos testes de matemática dos alunos (Dreambox) ou fazer com que estudantes que falam inglês se tornem fluentes em francês (Duolingo).
Qualquer pessoa com mais de 40 anos reconhece as altas expectativas quando o assunto são as novas tecnologias nas escolas. O que muitas vezes não se percebe no meio dessas novidades (por exemplo, acesso e uso de novo hardware, software e ou mídia social) é que as escolas acabam usando intensivamente o novo material. Elas dominam a tecnologia e as adaptam ao que já existe.
Em outras palavras, os “tecno-otimistas” ganham quando colocam novos hardware e software nas escolas, mas perdem muito ao ver que o resultado fica bem aquém dos seus sonhos que geralmente incluem um ensino e aprendizagem mais rápidos, melhores e personalizados. E as escolas vencem tendo acesso a novas tecnologias, adaptando-as para melhor se adequar ao dia-a-dia.
Em 1992, quase três décadas atrás, escrevi alguns artigos sobre esse “tecno-otimismo” nas escolas públicas norte-americanas e, em seguida, sugeri três cenários. Nas décadas seguintes, temos evidências de que cada um deles de fato ocorreu. No entanto, um em particular está ocorrendo neste momento.
1. O sonho do tecno-otimista: construir agora as escolas eletrônicas do futuro
São escolas com um número suficiente de dispositivos, software, acessórios e instalações para acomodar grupos variados de alunos em salas de aula, seminários e espaços de estudo individuais. O sonho é tornar ensino e aprendizado muito mais produtivos do que são hoje em dia, por meio da elaboração de projetos ou do ensino baseado em competências. Máquina e software são essenciais para que isso se torne realidade. Eles são vistos como ferramentas libertadoras para que alunos e professores cresçam, comuniquem-se bem e aprendam uns com os outros. Os professores são ajudantes, mentores para os alunos nessa relação com a tecnologia.
A estratégia é organizar a escola de modo que ela tenha máquinas, software e pessoas que sejam usuárias ativas das tecnologias. Bons exemplos vão desde as escolas digitais às escolas de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental totalmente equipadas com dispositivos, software, professores experientes e alunos altamente motivados.
2. O cenário do otimista cauteloso: crescimento lento de escolas e salas de aula híbridas
Nesse cenário,colocar computadores nas salas traz mudanças constantes no ensino, que ocorrem de maneira lenta, gradual e inevitável.Lenta e gradual porque as escolas, como organizações, levam tempo para aprender a usar computadores no ensino das crianças. Inevitável porque os que creem nesse cenário estão convencidos de que a escola do futuro será um local de trabalho dominado por computadores e telecomunicações.
As evidências ainda são poucas mas as pesquisas científicas feitas sobre esse cenário só aumentam. Por exemplo, já sabemos que colocar alguns computadores em uma sala de aula ou criar laboratórios de computadores, ao longo do tempo, altera como os professores ensinam (o ensino que antes era para toda turma passou a ser para pequenos grupos, mais individualizado). Isso muda também a forma como os(as) alunos(as) aprendem (passam a contar consigo mesmos e com os outros para refletir sobre ideias e exercitar suas habilidades). Assim, a organização da sala de aula pode mudar, embora lentamente, de uma totalmente orientada pelo professor para outra na qual os alunos trabalham com tutores online e passam a ser responsáveis pelo próprio aprendizado.
Nas escolas em que o número de hardware e professores conectados chegou num ponto crítico, gestores tendem a tomar decisões administrativas diferenciadas. Professores de diferentes áreas ou níveis educacionais alteram seus horários. O uso de tecnologias em toda a escola passa a fazer parte da rotina, assim como em questões não tecnológicas. É cada vez mais comum misturar o “velho” e o “novo”, com foco no professor e no aluno.
3. O cenário do preservacionista: manter e melhorar as escolas
Neste cenário, representantes políticos e gestores colocam computadores e outras tecnologias nas escolas, mas acabam reforçando amplamente as formas existentes de ensino, aprendizado, foco no coletivo e no currículo escolar. Enquanto alguns professores e escolas usam essas tecnologias de formas criativas e acabam sendo estereotipados pela mídia, uma grande parte dos usos é somente uma adaptação ao que já era feito pelos professores. Novas tecnologias se tornam formas de estimular mais melhorias. A visão contida na trajetória do preservacionista é a das escolas que mantêm o que vem sendo feito historicamente; fornecendo cuidados, separando aqueles que se destacam pelo aprendizado daqueles que não, e dando aos contribuintes uma educação o mais eficiente possível com os recursos disponíveis.
Há muitas evidências para esse cenário. Podemos, por exemplo, exigir um novo pré-requisito para o letramento digital; adicionar cursos de ciências da computação no currículo; criar um laboratório de informática para todos os computadores da escola; marcar com professores para que, uma vez por semana, levem suas turmas para uma sala onde possam se conectar às atividades diárias; ou até colocar um computador em cada sala de aula e comprar software produzido em conjunto com livros didáticos.
Nesse cenário, os computadores são vistos como auxiliares para um objetivo principal: ensinar os alunos. Adaptar essas novas tecnologias para ajudar professores e alunos a fazer o que devem fazer acaba por reforçar o que as escolas vêm fazendo no último século.
Em 1992, enquanto escrevia me perguntei, “é mais provável que ocorra qual desses cenários?”
O menos provável é a primeira opção, a escola eletrônica do futuro. De toda forma elas serão construídas, mas serão exceções e, com o tempo, provavelmente desaparecerão quando a próxima geração de inovações tecnológicas se popularizar – melhor e mais barata. Assim, embora essas escolas existam agora, poucas vão se espalhar nacionalmente. Experiências recentes de escolas que adotaram tevês educativas, laboratórios de idiomas e o ensino programado (nas décadas de 1960 e 1970) mostraram que os representantes políticos devem ser cautelosos. Nos locais com novas escolas e software/hardware comprados e instalados, diretores(as) perceberam em menos de uma década que os aparelhos não eram usados pelos professores, ficaram obsoletos ou já não tinham mais como ser consertados. Com o avanço constante das tecnologias, é arriscado que cidades e estados façam grandes investimentos em novos aparelhos em quantidades maiores do que as usadas em projetos-piloto.
Os cenários do otimista cauteloso e do preservacionista são basicamente os mesmos, apenas são interpretados de formas distintas. Os preservacionistas argumentam que as escolas permanecerão do jeito que são em grande parte devido aos adultos e suas crenças milenares sobre ensino, aprendizagem e conhecimento. Elas são basicamente o “núcleo” da educação moderna: ensinar é dizer, aprender é ouvir e conhecimento é o que está nos livros. A maioria dos contribuintes espera que suas escolas reflitam essas crenças seculares. Essas crenças fortemente defendidas raramente desaparecem quando os produtos da Apple chegam às escolas.
Os preservacionistas também apontam que escolas com turmas organizadas por faixas etárias persistem mesmo após as reformas educacionais mais profundas. Forma dominante de organização escolar há mais de um século e meio, a classificação etária organiza salas de aula independentes que separam os professores uns dos outros, conteúdos trabalhados série a série com os alunos e um cronograma que reúne estudantes e professores em momentos rápidos. Essas estruturas influenciam profundamente como os professores ensinam, a forma que os alunos aprendem e as relações entre adultos e crianças em cada sala de aula. Essas são especialmente difíceis de mudar. Por essas razões, segundo os preservacionistas, as escolas se adaptam às inovações tecnológicas para se ajustarem às crenças culturais predominantes e à escola com classificação etária.
Os otimistas cautelosos, no entanto, têm uma visão diferente dos mesmos fatos. Esse grupo demonstra muita paciência para tornar as escolas tecnologicamente modernas. As atenções estão voltadas ao lento crescimento dos “híbridos tecnológicos”, combinações criativas do “antigo” e do “novo” nas escolas e nas salas de aula. Esses híbridos de ensino focado no professor e no aluno, dizem os otimistas, são produtos pioneiros de um movimento que deve gerar escolas mais em sintonia com a sociedade em geral. Assim, as razões atuais para a inclusão desajeitada de máquinas de alta tecnologia nas escolas – poucos recursos para comprar máquinas, resistência e formação limitada dos professores, e pouco apoio administrativo – vão evaporar à medida que os híbridos se espalhem. É uma visão a longo prazo, em vez de meses ou anos. Embora eu ache a história do preservacionista convincente, estou mais inclinado à versão do otimista.
Na parte 2 deste artigo vamos retomar as promessas dos otimistas tecnológicos e como a escola adapta as novas tecnologias – em outras palavras, reforma as reformas educacionais – como sugerem os dois últimos cenários.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
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