Além do renomado pesquisador educacional Robert Slavin, o Blog Ciência do Aprendizado, da Escribo, apresenta o seu mais novo colaborador: o educador Larry Cuban, professor emérito de educação na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Com mais de 40 anos de carreira, Cuban é uma grande referência quando o assunto é educação. Ele é autor de centenas de artigos científicos e livros sobre ensino, história das reformas educacionais, e sobre o uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio. Neste primeiro texto, Cuban fala sobre o uso de tecnologias para fins educacionais e quais cenários podem surgir a partir da adoção das inovações pelas escolas. Boa leitura!
O entusiasmo que surge a cada inovação tecnológica é enorme. Thomas Edison (1900) previu que o cinema iria revolucionar o ensino e a aprendizagem; computadores desktop alcançaram a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental (1980); cursos online abertos e massivos se tornaram muito populares (2010), transformando o ensino superior; chegamos ao BrainCo, software que rastreia e usa as ondas cerebrais dos alunos (2019). Todo problema tem uma solução, e toda escola precisa do software mais recente – seja para aumentar os resultados dos testes de matemática dos alunos (Dreambox) ou fazer com que estudantes que falam inglês se tornem fluentes em francês (Duolingo).
Qualquer pessoa com mais de 40 anos reconhece as altas expectativas quando o assunto são as novas tecnologias nas escolas. O que muitas vezes não se percebe no meio dessas novidades (por exemplo, acesso e uso de novo hardware, software e ou mídia social) é que as escolas acabam usando intensivamente o novo material. Elas dominam a tecnologia e as adaptam ao que já existe.
Em outras palavras, os “tecno-otimistas” ganham quando colocam novos hardware e software nas escolas, mas perdem muito ao ver que o resultado fica bem aquém dos seus sonhos que geralmente incluem um ensino e aprendizagem mais rápidos, melhores e personalizados. E as escolas vencem tendo acesso a novas tecnologias, adaptando-as para melhor se adequar ao dia-a-dia.
Em 1992, quase três décadas atrás, escrevi alguns artigos sobre esse “tecno-otimismo” nas escolas públicas norte-americanas e, em seguida, sugeri três cenários. Nas décadas seguintes, temos evidências de que cada um deles de fato ocorreu. No entanto, um em particular está ocorrendo neste momento.
1. O sonho do tecno-otimista: construir agora as escolas eletrônicas do futuro
São escolas com um número suficiente de dispositivos, software, acessórios e instalações para acomodar grupos variados de alunos em salas de aula, seminários e espaços de estudo individuais. O sonho é tornar ensino e aprendizado muito mais produtivos do que são hoje em dia, por meio da elaboração de projetos ou do ensino baseado em competências. Máquina e software são essenciais para que isso se torne realidade. Eles são vistos como ferramentas libertadoras para que alunos e professores cresçam, comuniquem-se bem e aprendam uns com os outros. Os professores são ajudantes, mentores para os alunos nessa relação com a tecnologia.
A estratégia é organizar a escola de modo que ela tenha máquinas, software e pessoas que sejam usuárias ativas das tecnologias. Bons exemplos vão desde as escolas digitais às escolas de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental totalmente equipadas com dispositivos, software, professores experientes e alunos altamente motivados.
2. O cenário do otimista cauteloso: crescimento lento de escolas e salas de aula híbridas
Nesse cenário, colocar computadores nas salas traz mudanças constantes no ensino, que ocorrem de maneira lenta, gradual e inevitável. Lenta e gradual porque as escolas, como organizações, levam tempo para aprender a usar computadores no ensino das crianças. Inevitável porque os que creem nesse cenário estão convencidos de que a escola do futuro será um local de trabalho dominado por computadores e telecomunicações.
As evidências ainda são poucas mas as pesquisas científicas feitas sobre esse cenário só aumentam. Por exemplo, já sabemos que colocar alguns computadores em uma sala de aula ou criar laboratórios de computadores, ao longo do tempo, altera como os professores ensinam (o ensino que antes era para toda turma passou a ser para pequenos grupos, mais individualizado). Isso muda também a forma como os(as) alunos(as) aprendem (passam a contar consigo mesmos e com os outros para refletir sobre ideias e exercitar suas habilidades). Assim, a organização da sala de aula pode mudar, embora lentamente, de uma totalmente orientada pelo professor para outra na qual os alunos trabalham com tutores online e passam a ser responsáveis pelo próprio aprendizado.
Nas escolas em que o número de hardware e professores conectados chegou num ponto crítico, gestores tendem a tomar decisões administrativas diferenciadas. Professores de diferentes áreas ou níveis educacionais alteram seus horários. O uso de tecnologias em toda a escola passa a fazer parte da rotina, assim como em questões não tecnológicas. É cada vez mais comum misturar o “velho” e o “novo”, com foco no professor e no aluno.
3. O cenário do preservacionista: manter e melhorar as escolas
Neste cenário, representantes políticos e gestores colocam computadores e outras tecnologias nas escolas, mas acabam reforçando amplamente as formas existentes de ensino, aprendizado, foco no coletivo e no currículo escolar. Enquanto alguns professores e escolas usam essas tecnologias de formas criativas e acabam sendo estereotipados pela mídia, uma grande parte dos usos é somente uma adaptação ao que já era feito pelos professores. Novas tecnologias se tornam formas de estimular mais melhorias. A visão contida na trajetória do preservacionista é a das escolas que mantêm o que vem sendo feito historicamente; fornecendo cuidados, separando aqueles que se destacam pelo aprendizado daqueles que não, e dando aos contribuintes uma educação o mais eficiente possível com os recursos disponíveis.
Há muitas evidências para esse cenário. Podemos, por exemplo, exigir um novo pré-requisito para o letramento digital; adicionar cursos de ciências da computação no currículo; criar um laboratório de informática para todos os computadores da escola; marcar com professores para que, uma vez por semana, levem suas turmas para uma sala onde possam se conectar às atividades diárias; ou até colocar um computador em cada sala de aula e comprar software produzido em conjunto com livros didáticos.
Nesse cenário, os computadores são vistos como auxiliares para um objetivo principal: ensinar os alunos. Adaptar essas novas tecnologias para ajudar professores e alunos a fazer o que devem fazer acaba por reforçar o que as escolas vêm fazendo no último século.
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Em 1992, enquanto escrevia me perguntei, “é mais provável que ocorra qual desses cenários?”
O menos provável é a primeira opção, a escola eletrônica do futuro. De toda forma elas serão construídas, mas serão exceções e, com o tempo, provavelmente desaparecerão quando a próxima geração de inovações tecnológicas se popularizar – melhor e mais barata. Assim, embora essas escolas existam agora, poucas vão se espalhar nacionalmente. Experiências recentes de escolas que adotaram tevês educativas, laboratórios de idiomas e o ensino programado (nas décadas de 1960 e 1970) mostraram que os representantes políticos devem ser cautelosos. Nos locais com novas escolas e software/hardware comprados e instalados, diretores(as) perceberam em menos de uma década que os aparelhos não eram usados pelos professores, ficaram obsoletos ou já não tinham mais como ser consertados. Com o avanço constante das tecnologias, é arriscado que cidades e estados façam grandes investimentos em novos aparelhos em quantidades maiores do que as usadas em projetos-piloto.
Os cenários do otimista cauteloso e do preservacionista são basicamente os mesmos, apenas são interpretados de formas distintas. Os preservacionistas argumentam que as escolas permanecerão do jeito que são em grande parte devido aos adultos e suas crenças milenares sobre ensino, aprendizagem e conhecimento. Elas são basicamente o “núcleo” da educação moderna: ensinar é dizer, aprender é ouvir e conhecimento é o que está nos livros. A maioria dos contribuintes espera que suas escolas reflitam essas crenças seculares. Essas crenças fortemente defendidas raramente desaparecem quando os produtos da Apple chegam às escolas.
Os preservacionistas também apontam que escolas com turmas organizadas por faixas etárias persistem mesmo após as reformas educacionais mais profundas. Forma dominante de organização escolar há mais de um século e meio, a classificação etária organiza salas de aula independentes que separam os professores uns dos outros, conteúdos trabalhados série a série com os alunos e um cronograma que reúne estudantes e professores em momentos rápidos. Essas estruturas influenciam profundamente como os professores ensinam, a forma que os alunos aprendem e as relações entre adultos e crianças em cada sala de aula. Essas são especialmente difíceis de mudar. Por essas razões, segundo os preservacionistas, as escolas se adaptam às inovações tecnológicas para se ajustarem às crenças culturais predominantes e à escola com classificação etária.
Os otimistas cautelosos, no entanto, têm uma visão diferente dos mesmos fatos. Esse grupo demonstra muita paciência para tornar as escolas tecnologicamente modernas. As atenções estão voltadas ao lento crescimento dos “híbridos tecnológicos”, combinações criativas do “antigo” e do “novo” nas escolas e nas salas de aula. Esses híbridos de ensino focado no professor e no aluno, dizem os otimistas, são produtos pioneiros de um movimento que deve gerar escolas mais em sintonia com a sociedade em geral. Assim, as razões atuais para a inclusão desajeitada de máquinas de alta tecnologia nas escolas – poucos recursos para comprar máquinas, resistência e formação limitada dos professores, e pouco apoio administrativo – vão evaporar à medida que os híbridos se espalhem. É uma visão a longo prazo, em vez de meses ou anos. Embora eu ache a história do preservacionista convincente, estou mais inclinado à versão do otimista.
Na parte 2 deste artigo vamos retomar as promessas dos otimistas tecnológicos e como a escola adapta as novas tecnologias – em outras palavras, reforma as reformas educacionais – como sugerem os dois últimos cenários.
Tradução: Danilo Aguiar /Américo Amorim.
Professor emérito de educação na Universidade de Stanford. Foi professor de estudos sociais do ensino médio, superintendente distrital e professor universitário (20 anos). Publicou artigos de opinião, acadêmicos e livros sobre ensino em sala de aula, história da reforma da escola, como as políticas são traduzidas em prática e uso de tecnologias por professores e alunos no ensino fundamental e médio.
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